• Ilustrada

    Monday, 06-May-2024 01:26:52 -03

    'A Coreia do Norte é louca e já mostraram isso antes', diz Seth Rogen

    DAVE ITZKOFF
    DO "NEW YORK TIMES"

    24/12/2014 02h20

    Em um filme anterior, Seth Rogen e James Franco experimentavam uma visão cósmica do fim do mundo, mas seu novo trabalho, "A Entrevista", teve consequências sérias, entre elas um devastador ataque de hackers e ameaças aos cinemas que o exibissem.

    Os dois conversaram com o "New York Times" no último dia 15, antes que os efeitos do ataque fossem plenamente conhecidos, e pareciam felizes com a realização do longa –após o anúncio do cancelamento mundial pela Sony, ao menos duas salas de cinema americanas divulgaram nesta terça (23) que obtiveram autorização do estúdio para exibir a comédia durante o Natal.

    Dirigido por Rogen e Evan Goldberg, "A Entrevista" traz Franco como Dave Skylark, jornalista que consegue uma entrevista com Kim Jong-un, líder da Coreia do Norte.

    Fred R. Conrad/The New York Times
    James Franco e Seth Rogen que estrelam o longa 'A Entrevista
    James Franco e Seth Rogen que estrelam o longa 'A Entrevista'

    A conversa é causa de desgaste no relacionamento entre Skylark e seu produtor (Rogen), e atrai a atenção da CIA, que quer que o jornalista assassine Kim (Randall Park).

    Além de zombar do jornalismo e das questões geopolíticas, o filme brinca com os 15 anos de parceria entre Rogen e Franco, iniciada em "Freaks and Geeks", série cult da rede NBC, e mantida em filmes de sucesso como "É o Fim" (2013).

    A Coreia do Norte não gostou da ideia de "A Entrevista", denunciando-o como "ato de terrorismo e guerra" e ameaçando "medidas impiedosas". Há suspeitas de que o filme tenha levado à invasão dos computadores da Sony, que a Coreia do Norte considerou "justa", embora negue a autoria.

    O ataque resultou na divulgação de informações delicadas do estúdio, como o orçamento do filme, de US$ 44 milhões, e detalhes mais embaraçosos. "Foi surreal", disse Rogen, em meio a circunstâncias incertas, que o levaram a cancelar aparições na mídia.

    *

    New York Times - "A Entrevista" pretendia ser só uma comédia. Como se sentem sobre as consequências que teve?

    Seth Rogen - Ninguém me informou 100% de que nosso filme foi a causa dessas coisas. Não somos os primeiros a mostrar o quanto a Coreia do Norte é louca, os mitos que existem por lá ou as excentricidades do regime. "South Park" faz a mesma coisa toda semana.

    Acham que um filme sobre uma tentativa de matar Kim Jong-un e o ataque de hackers à Sony podem não ter relação?

    Rogen - Não sei. Pode ser que um hacker soubesse do filme e o tenha usado como desculpa para zoar uma corporação. Está claro que quem fez o ataque sabia do filme. Mas, quando ele ocorreu, milhões e milhões de pessoas, que poderiam ter diversas motivações, sabiam do filme.

    Antes das críticas da Coreia do Norte, era controverso fazer de Kim Jong-un o vilão?
    Rogen - Houve discussão, mas não é algo tão ousado. Não é como se tivéssemos de pensar que "é preciso considerar os dois lados, politicamente". Ele é mau. Isso só é controverso para ele. Eles [a Sony] nos deixaram fazer.

    Houve alguma coisa que o estúdio tenha desautorizado?

    Rogen - Eles nos fizeram alterar digitalmente algumas imagens e fotos porque não estavam liberadas [em termos legais]. Não sabíamos o nome do fotógrafo que tirou uma foto de Kim Il-sung (avô de Kim Jong-un) há 65 anos. E ele podia nos processar.

    Houve um momento em que a Sony disse: "Eles ameaçaram guerra por conta do filme. Vocês o matam [Kim Jong-un]. Considerariam mudar isso?". E nós: "Não".

    As ameaças assustaram?

    James Franco - Ameaçaram até o Obama porque acham que ele produziu o filme.

    Rogen - Como não há liberdade de expressão lá, eles não entendem que pessoas fazem coisas.

    Entre setembro e outubro, Kim Jong-un não foi visto em público. Vocês temeram a possibilidade de isso afetar o filme?

    Rogen - Foi estranho. Estávamos preocupados com a segurança dele em nome do nosso bem-estar financeiro. No processo, conhecemos consultores que tenho certeza de que são da CIA. Depois que ele sumiu, escrevi perguntando o que houve.

    A resposta foi que estava fazendo uma cirurgia no tornozelo e voltaria em duas semanas. Duas semanas mais tarde, veio a notícia de que tinha operado o tornozelo.

    "A Entrevista" foi criado especificamente para vocês dois?

    Rogen - A ideia era antiga. O primeiro roteiro era sobre Kim Jong-il (pai de Kim Jong-un). O personagem de Skylark era mais normal, centrado, e o produtor, mais engraçado. Não seria divertido me colocar ao lado de um ator mais sério, como Matt Damon?

    Então, Dan Sterling escreveu um esboço de roteiro, e o personagem era mais insano. Começamos a pensar que era um papel para Franco.

    Franco - Neste filme, o segredo é a amizade. Mesmo em "É o Fim", meu personagem era raso, se preocupava mais com a casa do que com os amigos. No filme novo, ele começa gostando de um personagem [Rogen]. E depois a coisa vira um triângulo amoroso com Kim Jong-un.

    Rogen - A motivação dele para a missão é me fazer feliz –ele quer me aplacar para que eu não peça demissão.

    Vocês souberam que ficariam amigos logo que se conheceram em "Freaks and Geeks"?

    Franco - Acabei de escrever uns poemas sobre isso. Houve um período em que Seth, Jason [Segel] e eu íamos à casa da mãe de Jason, e os dois sentavam no fundo da sala e fumavam maconha.

    Rogen - Ele ficava lá literalmente sentado no canto.

    Franco - Líamos roteiros, ficávamos vendo filmes de Kubrick. Seth escrevia coisas, falávamos em fazê-las. Hoje, teríamos ao menos gravado as cenas com o iPhone. Mas não tínhamos tecnologia nem conhecimento para isso.

    A amizade continuou?

    Franco - Houve um momento em que a maioria das pessoas da série não gostava de mim porque eu me levava a sério demais –achava que era Marlon Brando, coisa assim. Depois, derrubei Busy [Philipps, uma das estrelas da série], sem querer. Aí é que todo mundo deixou mesmo de gostar de mim, exceto Seth.

    Rogen - Quando a série acabou, perdemos contato.

    Franco - Encontrei Judd [Apatow] em um festival de cinema em Austin. Ele perguntou por que eu não voltava à comédia. Respondi que era boa ideia; eu precisava mudar algo, me sentia mal.
    Estava infeliz como ator e fiz "Segurando as Pontas". Me dei conta de que estava trabalhando com Seth, um cara que conhecia e que podia tentar as viradas mais loucas. Isso fez toda a diferença.

    Foi útil contar com James, um ator que também é diretor?

    Rogen - Ele entende que precisamos de coisas diferentes. Temos de ir longe o bastante, mas não longe demais. Acho difícil me concentrar em tudo. E fumo maconha, o que não ajuda. [risos] Franco tem a melhor memória entre nós.

    Franco - Porque não quero perder as boas piadas!

    Rogen - Evan e eu tendemos a dizer "chega, já conseguimos", e ele diz "não, ainda não fizemos tal ângulo".

    Franco - Sei que eles escolhem as melhores coisas. Mas continuo a ter a sensação de que seria legal se tudo fosse usado. David Gordon Green me deu o material completo de "Segurando as Pontas" e montei uma versão com todas as piadas boas cortadas.

    Para divulgar o filme, vocês parodiaram o vídeo de "Bound 2", de Kanye West, e foram ao programa "Naked and Afraid". Seria possível se não fossem amigos?

    Rogen - Ser amigo é importante para promover um filme. Já trabalhei com pessoas que odiei e isso não é problema para fazer um filme. Você pode ficar no seu trailer. Mas na promoção dele é diferente. Você se encontra mais com a pessoa no dia a dia.

    Quando fomos ao programa de Jimmy Fallon, passamos 15 minutos escondidos dentro de um bolo.

    Franco - Ele parecia grande. Por dentro, nem tanto.

    Rogen - Ficamos tanto tempo no bolo que paramos de falar sobre o bolo. "O que você fará amanhã?", "Que horas é o voo?" Enquanto isso, estávamos seminus num bolo no estúdio do "Tonight Show".

    Aprenderam um com o outro?

    Franco - Quero aprender com Seth como fazer os filmes que quero fazer. Ele produzirá um que vou dirigir sobre a filmagem de "The Room" [longa cult de Tommy Wiseau]. Seguirei as instruções dele. É um projeto no qual não vou precisar brigar o tempo todo.

    Rogen - Em "Segurando as Pontas", filmávamos a cena em que compro maconha dele e, antes de rodar, falei: "Seria engraçado dizer que o cheiro da maconha é como o cheiro da vagina de Deus". Daí parei: "Não, é insano demais". No take seguinte, Franco disse o que sugeri.

    Franco - A frase está nas camisetas de um milhão de maconheiros, provavelmente.

    Rogen - Meu instinto era não usar a fala, pelo exato motivo que ele a usou. Foi educativo. Se teme algo, você deve fazer. Fizemos filmes inteiros com base nessa ideia.

    Vocês teriam feito algo diferente em "A Entrevista" se soubessem as consequências?

    Rogen - Pensei sobre isso, e honestamente não faço ideia.

    Estão lendo as coisas que os hackers publicaram?

    Rogen - Tento não ler. Para mim, é questionável ler e-mails roubados dos outros.

    Eles incluem a avaliação de um executivo da Sony sobre "A Entrevista" ser "desesperadamente sem graça". Incomoda?

    Rogen - Não sei quem disse isso. Vindo de uns, incomodaria muito. Outros eu nem ligo para o que pensam. [risos]

    Estão tomando mais cuidado com e-mails?

    Rogen - [risos] Acho que todo mundo está. Você não?

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024