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    Crítica: Longa se aproxima do cinema modernista do início dos 1960

    CÁSSIO STARLING CARLOS
    CRÍTICO DA FOLHA

    25/12/2014 02h15

    A maioria dos filmes tem histórias que se resumem a duas linhas, se tanto. Alguns poucos não se esgotam em sinopses. "Ida" pertence a esta cada vez mais rara categoria.

    Numa primeira camada, o filme, passado na Polônia em 1962, acompanha o percurso de uma noviça que sai pela primeira vez do convento onde viveu desde criança para conhecer uma tia.

    O encontro com Wanda coloca a jovem diante de um universo de vícios e de descrenças que ela ainda desconhece. Em paralelo, as duas mulheres viajam em busca de um passado familiar. Enquanto isso, outras camadas ocultas da experiência coletiva emergem nos confrontos que se dão no caminho.

    No lugar de uma trama focalizada nas peripécias de um personagem principal, a narrativa do filme se compõe na forma de fragmentos dos deslocamentos de Ida. Do convento à cidade, desta ao campo, do presente ao passado.

    Estes movimentos que também afetam seu corpo, exposto ao desnudamento e ao desejo sexual, trazem à tona sua identidade perdida, a de sua família aniquilada e a da história da Polônia em parte do século 20.

    Interligadas, as narrativas resgatam o apagamento dos fantasmas do antissemitismo e do stalinismo e a sobrecarga do cristianismo na trágica história polonesa.

    Se tanta ambição pode parecer desmesurada, ela é, no entanto, alcançada por meio das escolhas feitas pelo diretor Pawel Pawlikowski.

    A opção pela fotografia em preto e branco e de um formato de projeção antigo dão ao filme o aspecto de passado difuso, algo como um retrato esquecido num velho álbum.

    A narrativa por meio de elipses aproxima o filme de uma experiência da memória não elaborada, feita de lacunas, oriunda mais das lembranças dos outros.

    Os enquadramentos também oferecem a ideia de que há mais elementos e situações fora do que no que é mostrado. Se são inconscientes para o espectador, não deixam de ser determinantes na história.

    Em vez de o domínio desses recursos se confundir com um malabarismo formalista ao gosto contemporâneo, as opções de Pawlikowski aproximam o filme do cinema modernista europeu do início dos anos 1960.

    Se tal pretensão estética pode ser interpretada como anacrônica ou se confundir com um pastiche, "Ida" não deixa de impressionar nosso olhar tão hipnotizado por superfícies que nada mais refletem.

    IDA
    DIREÇÃO Pawel Pawlikowski
    ELENCO Agata Trzebuchowska, Agata Kulesza, Halina Skoczynska
    PRODUÇÃO Polônia/Dinamarca, 2013, 14 anos
    AVALIAÇÃO ótimo

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