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    Crítica: Felipe Fortuna trata de temas sociais sem dispensar forma poética

    NOEMI JAFFE
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    27/12/2014 02h23

    Um dos dilemas de quem escreve poesia é como tematizar o real -sempre terrível- e ainda manter ativo e sutil o corpo da linguagem.

    Muitos dizem que o próprio ato poético é, em si, político, independentemente do objeto abordado. Ainda assim há os que optam pelo tratamento de temas engajados como a injustiça social, atentados terroristas, indústria de armamentos, sem, com isso, abrir mão da forma poética. É o caso de Felipe Fortuna, em seu novo " O Mundo à Solta".

    Andre Borges - 6.mar.2013/Folhapress
    O poeta Felipe Fortuna na sua casa em Brasília
    O poeta Felipe Fortuna na sua casa em Brasília

    É claro que, antes dele, vários escritores brasileiros entraram nessa seara, como Drummond, João Cabral, Ferreira Gullar, Haroldo de Campos e tantos outros. Esse livro, entretanto, é quase exclusivamente voltado para a problematização de temas sociais, numa época em que essa prática é mais rarefeita.

    Em "Reduzir os Desastres Naturais", por exemplo, lemos: "Morando no planeta/ onde venta e o mar/ se diz tormenta, um mantra/ permeia: é necessário/ reduzir os desastres naturais." Em " Caixas de Pandora", "[...] Tudo se abriu,/ tudo ficou aceso e surgiu um palco/ e súbito sumiram as torres gêmeas".
    pluralidade

    É claro que não é desejável descontextualizar versos, mas é o que se pode fazer nos limites de uma resenha. Mesmo assim, é possível vislumbrar, aqui, o aspecto inegável da explicitação verbal.

    Até que ponto vai a preocupação social e até onde vai a especificidade poética? Muitas vezes, nesses poemas, fica difícil discernir. São muito mais sutis os casos em que, por exemplo, "[...] o último soldado/ chegou dos Alpes/ atravessado por lanças, pernas, diarreia?", ou "dia e noite, ou melhor, chova/ ou faça sol, esses insetos/ deixam de circular/ ovos e larvas/ se petrificam na água".

    A pluralidade de significados, o trabalho sonoro, rítmico e imagético, nestes últimos casos, fazem com que o fato tematizado se expanda, no sentido de atingir um valor semântico que o ultrapassa e que o torna independente de tempo e espaço específicos.

    A última parte do livro, reveladora no título "Outros Assuntos" -como se os assuntos do real fossem, necessariamente, mais importantes-, parece libertar-se das amarras temáticas e avança mais solta no sentido do trabalho com a linguagem: "Tudo é luz, a incendiar na chapa/ as vontades mais nítidas".

    Talvez o que falte à poesia dita engajada seja justamente um maior incêndio das vontades nítidas, ou estaremos, até nisso, condenados estritamente ao real.

    NOEMI JAFFE é doutora em literatura brasileira e autora de "O que os Cegos Estão Sonhando?" (Editora 34).

    O MUNDO À SOLTA
    AUTOR Felipe Fortuna
    EDITORA TopBooks
    QUANTO R$ 39,90 (106 págs.)
    AVALIAÇÃO bom

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