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    Mostra em Londres resgata história e influência da literatura gótica

    RODOLFO LUCENA
    EM LONDRES

    29/12/2014 02h01

    Caninos pontiagudos de ilustres vampiros, rostos deformados de monstros humanizados, donzelas em perigo, gritos sufocados na garganta, risadas enlouquecidas.

    Misture tudo num ambiente à meia luz, cheio de sombras e cortinas, acrescente uma pitada das rendas de Alexander McQueen e voilà! Eis uma bela exposição sobre a história e a influência da literatura gótica, que completou 250 anos neste 2014.

    Tudo isso está presente na mostra "Terror and Wonder - The Gothic Imagination" (terror e espanto - a imaginação gótica), em cartaz na British Library, a biblioteca pública britânica, em Londres. Trata-se não só de uma viagem no tempo, mas também de uma discussão sobre como a literatura reflete a sociedade -e sobre a sociedade.

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    Primeira ilustração do monstro de 'Frankenstein', datada de 1831, presente na exposição "Terror and Wonder - The Gothic Imagination", em Londres
    Primeira ilustração do monstro de 'Frankenstein', datada de 1831, presente na exposição "Terror and Wonder - The Gothic Imagination", em Londres

    A pedra fundamental da exposição é um magnífico exemplar da primeira edição de "The Castle of Otranto", lançado em 1764 e reconhecido como a obra pioneira da literatura gótica.

    Só mesmo a redoma que protege o volume impede o visitante de ceder à vontade de manusear o livrão de capa dura, ilustrações que hoje parecem pueris e páginas amareladas, cujo cheiro infelizmente não ultrapassa o vidro.

    Há ainda vários recantos dedicados ao peculiar autor da obra, Horace Walpole (1717-1797). Quarto conde de Oxford, historiador de arte e colecionador, Walpole abriu ao público a propriedade em que vivia, a Strawberry Hill, após transformá-la em símbolo da cultura gótica. Ilustrações e textos dedicados ao local estão na exposição.

    O visitante da mostra pode apreciar, por exemplo, a curiosa "biblioteca" que Walpole mantinha na Strawberry Hill, um volume que parece um livro alto e grosso. Aberto, ostenta prateleiras que abrigam uma coleção de minilivros, do tamanho de maços de cigarros; na contracapa, em letra caprichada, está o registro do acervo, com informações sobre cada obra.

    Apesar de sua importância como pioneiro, Walpole nem de longe é popular. É um perfeito desconhecido se comparado a outros grandes nomes da literatura gótica, também presentes na exposição. Há, por exemplo, manuscritos de Mary Shelley (parte do texto de apresentação de "Frankenstein") e de Bram Stoker, o autor de "Drácula".

    Também há trechos de filmes que marcaram época e são ainda cultuados pelos apreciadores do gênero -ainda que possam parecer ridículos a um observador menos apaixonado. Exemplo disso é o clipe com as tocantes (ou risíveis) cenas de "A Noiva de Frankenstein" (1935).

    CAÇA-VAMPIROS

    Eis que a vida imita a arte: da era vitoriana, mais perto do final do século 19, há até kits para caçadores de vampiros. Um deles, com enormes pregos de madeira, pode provocar calafrios no visitante menos empedernido -além de uma certa vontade de sair a caçar monstros.

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    Kit vitoriano para caçar vampiros
    Kit vitoriano para caçar vampiros

    Textos curtos, mas densos, acompanham o acervo, situando autores e fazendo breves análises. Contam, por exemplo, que, no século 19, o terror deixa o ambiente dos castelos e ganha as ruas; a sujeira e a miséria apavoram mais que a imaginação.

    Mostram como a estética gótica influencia a descrição da pobreza e dos exploradores de miseráveis na ficção de Charles Dickens (1812-1870) -o vilão Fagin, de "Oliver Twist", por exemplo, seria um "vampiro" do trabalho de menores abandonados.

    E o gótico chega aos tempos modernos, na moda de Alexander McQueen, em histórias em quadrinhos e em desenhos animados, sem falar na obra de diretores como Hitchcock e Stanley Kubrick.

    Mesmo antes do sucesso adolescente da saga "Crepúsculo", jovens (e outros nem tanto) revivem a estética gótica em animados encontros em Whitby (localidade citada em "Drácula") -o mais recente deles, realizado neste ano, foi registrado pela câmera de Martin Parr especialmente para a exposição.

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    O Pesadelo', do suíço Henry Fuseli, em impresso datado de 1783, presente na exposição "Terror and Wonder - The Gothic Imagination", em Londres
    'O Pesadelo', do suíço Henry Fuseli, em impresso datado de 1783, presente na exposição "Terror and Wonder - The Gothic Imagination", em Londres

    Ao sair da cena gótica, totalmente imerso na estética multicentenária, o visitante cai numa ala da lojinha do museu especialmente dedicada ao tema: há desde exemplares do histórico livro de Horace Walpole e de outras obras do mundo gótico até peças de decoração, brinquedos, acessórios e, claro, magnetos com o cartaz que apresenta Terror and Wonder.

    Dá para passar uma rápida e substanciosa hora ou dedicar uma tarde inteira à mostra, que vai até dia 20 de janeiro, com ingressos a 10 libras (cerca de R$ 40). Mais informações em bl.uk/events/terror-and-wonder–the-gothic-imagination.

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