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    Análise: Autocensura da Sony mancha imagem da empresa nos EUA

    MICHAEL KEPP
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    29/12/2014 02h12

    Em retrospectiva, a decisão inicial da Sony Pictures de não lançar o filme "A Entrevista", sobre uma conspiração fictícia para matar o ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un, parece um movimento precipitado e um precedente perigoso.

    A Sony cancelou o lançamento mundial do filme depois de sofrer um ataque de hackers que ameaçaram fazer ataques terroristas aos cinemas que exibissem o longa na data prevista de estreia, o dia de Natal. Com isso, as principais cadeias de cinema decidiram adiar o lançamento.

    Divulgação
    James Franco e Seth Rogen em cena do filme "A Entrevista" (2014)
    James Franco e Seth Rogen em cena do filme "A Entrevista" (2014)

    A atitude da Sony foi precipitada porque a empresa deveria ter percebido que a publicidade obtida a partir do ataque cibernético lotaria as salas de cinema. Foi o que de fato ocorreu depois que a companhia mudou de ideia e lançou o filme em 300 cinemas pequenos e independentes nos EUA no dia de Natal.

    A Sony também deveria ter percebido que a possibilidade de tais ataques terroristas ocorrerem era muito baixa. O único ataque em solo americano desde o 11 de Setembro de 2001 foi o da Maratona de Boston em abril de 2013, executado por dois irmãos tchechenos não conectados a um grupo terrorista.

    Diversas empresas de segurança cibernética contestaram a afirmação do FBI (polícia federal americana) de que a Coreia do Norte estava por trás do ataque cibernético. As investigações mostram que uma pessoa experiente em tecnologia, ajudada por um ex-funcionário descontente da Sony, poderia ser a responsável.

    Assim, a autocensura da Sony em inicialmente cancelar a estreia do longa pode ter permitido que uma pessoa ameaçasse a liberdade de expressão dos Estados Unidos, um poder perigoso de lidar.

    É por isso que o presidente Barack Obama e produtores e estrelas de Hollywood chamaram a decisão da Sony de um erro. A indignação deles, que se tornou generalizada, mostra o dano que a Sony infligiu a ela mesma ao inicialmente barrar o filme. Essa decisão vai manchar a sua marca por um longo tempo, porque a liberdade de expressão é um direito constitucional que os americanos valorizam e defendem.

    "O Grande Ditador", que Charlie Chaplin lançou em 1940, quando os Estados Unidos ainda estavam em paz com a Alemanha nazista, agitou a condenação de Hitler e Mussolini, mas se tornou seu filme mais bem-sucedido comercialmente.

    "A Entrevista" não é "O Grande Ditador". A comédia, que utiliza um assassinato planejado como pretexto para dois jornalistas recrutados pela CIA (agência de inteligência dos EUA) se unirem em uma aventura, oferece poucas risadas, dizem os críticos.

    "O único mistério real é como uma coisa tão banal pôde causar tanta agitação", escreveu um crítico. Ou como algo tão incontroverso pôde provocar tantos americanos a exercer o seu direito de vê-lo?

    Mas isso é o que a liberdade de expressão é: uma rede de segurança democrática, atada de forma muito ampla. Ampla o bastante para permitir que um grupo racista branco marche pacificamente por um bairro negro ou uma companhia lance um filme que não ofende ninguém, exceto a elite governante de um pequeno Estado totalitário.

    MICHAEL KEPP, jornalista americano radicado há 32 anos no Brasil, é autor do livro "Tropeços nos Trópicos" (ed. Record).

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