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    Crítica: 'Whiplash' sabe explorar a alma dos personagens

    INÁCIO ARAUJO
    CRÍTICO DA FOLHA

    06/01/2015 02h04

    Parece que algo não vai de todo bem com Fletcher. Existe algo de insano no que esse professor de uma importante escola de música exige de seus alunos: que sejam geniais.

    E o gênio, para ele, não é um dom, mas algo que se constrói pelo trabalho. Para ele, música é disciplina, renúncia. Ele acha que por falta disso é que não há um novo Charlie Parker. Por isso o jazz está morrendo. É ele que diz.

    Pode-se objetar que talvez seja o excesso de tirania, a experiência da música não como prazer, mas como dor, a maníaca tendência a crer que só o sucesso justifica a existência que estejam levando a uma falta de grandes músicos.

    Não é o que pensa o jovem Andrew. Para satisfazer ao mestre e fazer parte de seu grupo, é capaz de dar um pé na namorada e tocar sua bateria até que as mãos sangrem, e mesmo depois. Ele se sente como que obrigado a responder aos desafios do mestre.

    O problema do perfeccionismo, como "Whiplash - Em Busca da Perfeição" coloca, é saber não se ele é bom ou mau (a música é vista como competição), mas a partir de que momento configura doença.

    Não importa se concordamos ou não com os métodos e modo de ser do professor (com o qual, grosso modo, o filme parece estar de acordo). Tudo se joga na espécie de performance a que se chegará.

    Não se pode negar que tanto J.K. Simmons (Fletcher) como Miles Teller (Andrew) se saem bem. Embora Simmons tenha sido indicado a vários prêmios, Teller me agrada muito por certas sutis reações que seu rosto registra em momentos pontuais.

    E o jovem diretor-roteirista Damien Chazelle, da mesma forma como se obstina em tirar o máximo dos atores, também se dedica com afinco a explorar a personalidade dos personagens (mas não a se indagar sobre elas: ele parece conhecer antecipadamente as respostas) e a secreta sintonia que se cria entre ambos.

    "Whiplash" está longe de ser um mau filme. Mas é algo duro: parece saído do Tea Party para a tela.

    Sobra-lhe em obstinação o que falta em generosidade e visão ampla. Não aspira a uma "cena perfeita", assim como Andrew sonha com um solo perfeito? Pode ser. Parece ser, até. Em todo caso, eis aí um filme americano, sobre esforço, sobre artistas, com aspiração a prêmio, que não termina em aplausos. Eis um bom ponto de partida.

    WHIPLASH: EM BUSCA DA PERFEIÇÃO
    DIREÇÃO Damien Chazelle
    ELENCO Miles Teller, J.K. Simmons
    PRODUÇÃO EUA, 2014, 12 anos (estreia nesta quinta-feira, 8/1)
    AVALIAÇÃO bom

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