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    Cinebiografia de Alan Turing é criticada por imprecisões históricas

    SYLVIA COLOMBO
    DE SÃO PAULO

    06/01/2015 02h30

    Quando "O Jogo da Imitação" estreou no Reino Unido, esperava-se que o matemático Alan Turing (1912-54) fosse finalmente redimido.

    Vítima de preconceito por ser homossexual e sem ter seu legado reconhecido antes de sua morte, a trajetória de Turing permaneceu envolta na névoa da Guerra Fria.

    Agora, uma cinebiografia, prevista para estrear no Brasil em 29/1, resgata o personagem e deve concorrer a algumas estatuetas do Oscar.

    Porém, apesar das resenhas positivas, o filme vem recebendo críticas por parte de historiadores, biógrafos e familiares de personagens que aparecem na tela.

    Protagonizado por Benedict Cumberbatch (da série "Sherlock"), o longa conta a história de Turing privilegiando suas conquistas científicas.

    1928/AFP
    O matemático britânico Alan Turing posa para foto na escola em Dorset (Inglaterra) em 1928
    O matemático britânico Alan Turing posa para foto na escola em Dorset (Inglaterra) em 1928

    A principal delas foi ter decifrado o funcionamento do Enigma, aparato alemão que enviava mensagens criptografadas. A descoberta permitiu a vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial.

    Turing foi, também, um dos primeiros a conceber os princípios que dariam origem aos computadores modernos.

    No livro que inspirou o roteiro do filme, "Alan Turing - The Enigma" (Princeton University Press), o britânico Andrew Hodges defende que há um vínculo essencial entre a sexualidade de Turing e suas conquistas científicas.

    A biografia mostra o matemático atormentado por não ser aceito pela comunidade científica por ser gay.

    Na época, homossexualidade era crime no Reino Unido e Turing foi condenado por "indecência". Parte da pena era submeter-se a um tratamento hormonal para controlar seus instintos sexuais.

    O filme foi criticado por não ser mais explícito. "Há muitas imprecisões, não dar o devido peso que a vida sexual teve em sua biografia é um deles. Neste sentido, a adaptação feita nos anos 1990 pela BBC ("Breaking the Code", com Derek Jacobi no papel de Turing) é mais fiel", disse Hodges, em entrevista à Folha.

    Chris Buck/The New York Times
    O ator Benedict Cumberbatch
    O ator Benedict Cumberbatch

    No filme, a identidade sexual de Turing é descoberta porque decidem investigá-lo, pensando tratar-se de um espião soviético. Na verdade, o próprio Turing se denunciou ao chamar a polícia para desvendar um pequeno assalto à sua casa, cujo ladrão havia sido um de seus amantes.

    Outra passagem colocada em questão é a de sua morte. O filme traz a versão mais conhecida, em que o matemático teria se suicidado ao ingerir uma maçã envenenada com cianureto.

    Porém, investigações recentes abrem espaço para dúvidas. Para o também biógrafo de Turing, Jack Copeland, da universidade de Canterbury, a inexistência de uma carta de despedida e o fato de que o matemático andava fazendo estudos com cianureto podem indicar um acidente.

    Outro estudioso, Roger Bristow, aponta para a possibilidade de assassinato por parte de agentes da Scotland Yard, a mando da CIA.

    "Estou convencido de que foi suicídio, porém, é preciso reconhecer que Turing possuía muita informação sensível sobre a segurança do Reino Unido e dos EUA. É possível que ambos os governos o tivessem pressionado. Mas também é possível que isso tenha causado tanto estresse que ele acabou decidindo pelo suicídio", diz Hodges.

    Desde a estreia do filme, vieram à tona também reclamações de familiares de personagens retratados. As filhas de Alastair Denniston, comandante do Bletchley Park –onde funcionava a agência de espionagem britânica– soltaram comunicado para dizer que o pai aparece distorcido. "Eles queriam um vilão, e transformaram meu avô nisso", diz a neta, Judith Finch.

    Hodges espera, porém, que seu livro e o filme alimentem uma nova onda de pesquisas sobre Turing. "Quando eu comecei a estudá-lo, nos anos 1970, havia pouca informação. A maior parte dos documentos oficiais que o mencionam eram secretos. Agora, os arquivos se tornaram públicos, o que facilita a investigação."

    Os documentos de Alan Turing estão reunidos no site www.turingarchive.org, organizado pelo King's College, da universidade de Cambridge, no Reino Unido.

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