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    Mostra reúne objetos criados pelos detentos no extinto Carandiru

    SILAS MARTÍ
    DE SÃO PAULO

    13/01/2015 02h00

    Quando esvaziaram o Carandiru para demolir o presídio, o médico Drauzio Varella voltou às celas atrás de imagens de Nossa Senhora feitas pelos presos. Mesmo 13 anos depois, algumas delas continuam em sua sala de visitas.

    "Encontrei várias jogadas no chão", conta o colunista da Folha, que passou anos atendendo detentos ali. "Mandaram todo mundo embora, então eles só levavam o que podiam carregar. Algumas são mesmo peças de museu."

    Imagens dos altares improvisados pelos presos, filtros de água coloridos, facões feitos com pedaços de ferro e até portas da antiga casa de detenção estão agora em exposição no Museu da Casa Brasileira, em São Paulo, num esforço para relembrar a violenta sobrevivência no cárcere.

    "Era um lugar de contradições extraordinárias", diz a fotógrafa Maureen Bisilliat, que organizou a mostra. "Tem essa parte lúgubre e cinza, que as pessoas conhecem, mas tem também a criatividade das ruas que estava lá dentro. Não queremos glamorizar isso, mas além do desespero existia a sobrevivência."

    Bisilliat viu de perto essa sobrevivência, gravando cem horas de vídeo dentro do presídio, lugar que passou a frequentar depois que sua filha, Sophia, levou um projeto de teatro para dentro da cadeia.

    Erguida nos anos 1920, a maior casa de detenção da América Latina, palco de um massacre de 111 detentos em 1992, quando abrigava 8.000 presos, foi desativada em 2002, com a implosão de três pavilhões para criar um parque na zona norte da cidade.

    Nos pavilhões que restaram, hoje funcionam salas de aula de um curso de museologia. Atrás do novo forro dos tetos, ainda estão pinturas e mensagens deixadas pelos detentos –vestígios coloridos de uma vida em reclusão.

    "Tinha muita manifestação artística lá dentro, nas portas, nos objetos, nas tatuagens dos presos", conta Cecília Machado, responsável pelo acervo de objetos que restaram do Carandiru. "A gente mapeou toda essa pintura. Aquilo era uma cidade à parte, com outra dinâmica e outra hierarquia."

    Um símbolo dessa dinâmica de exceção é o portão amassado da Divineia, como era chamado um dos pátios do presídio. A imensa porta metálica, agora também no museu, virou síntese de existências interrompidas, isoladas do fluxo da vida lá fora.

    SEGUNDA SEM LEI

    Do lado de dentro, os respiros estéticos nos altares para Nossa Senhora, as colagens de santas e mulheres peladas nas paredes e decorações naïf em filtros de barro, faixas e cartazes serviam de contraponto à rotina sangrenta da casa de detenção.

    "Segunda-feira era o dia sem lei", lembra Drauzio Varella. "Era o dia do acerto. Se você tinha uma dívida, você pagava. Toda segunda tinha morte, e todas eram horríveis. Um esfaqueava o outro com dez, 20 golpes, sempre na covardia. Eu chegava a liberar quatro corpos de uma vez."

    Depois de inspirar livros e um filme, o Carandiru vai ao museu como rude ateliê de artesanato, dos desenhos nas paredes aos facões de metal enferrujado. "Há uma preciosidade nisso", diz Maureen Bisilliat. "Esse é o outro lado do espelho da nossa sociedade."

    SOBREVIVÊNCIAS
    QUANDO de ter. a dom., das 10h às 18h; até 15/3
    ONDE Museu da Casa Brasileira, av. Brig. Faria Lima, 2.705, tel. (11) 3032-3727
    QUANTO R$ 4; grátis sáb. e dom.

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