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    Colecionadores garimpam sebos em busca de raridades autografadas

    GABRIELA SÁ PESSOA
    DE SÃO PAULO

    21/01/2015 02h31

    Paulo Fugulin é o primeiro a pegar o autógrafo da escritora espanhola Megan Maxwell durante a sessão de autógrafos do romance "Adivinha Quem Sou" (ed. Essência), realizada em outubro de 2014 numa livraria em São Paulo.

    Sob xingamentos das cerca de cem fãs de autora –algumas esperando havia cinco horas para encontrá-la, vestindo camisetas inspiradas nas capas dos romances eróticos de Maxwell–, ele fura a fila organizada pela editora com um sistema de senhas.

    Fugulin usa a tática que descreve como "pular na jugular do escritor", entrega seu exemplar, a autora autografa, pega-o de volta e sai apressado da livraria.

    fido nesti/Editoria de Arte/Folhapress

    Ele é o único homem no evento. Um fã tímido de romances açucarados e eróticos? Não exatamente. Até aquele dia, Fugulin nem sequer tinha ouvido falar da autora, quanto mais lido algum de seus livros. "Ela é uma escritora internacional, já fez a viagem dela. Agora, eu tenho que fazer a minha", explica.

    A "viagem" em questão é o hobby que o economista de 36 anos mantém há três anos: colecionar edições autografadas.

    Em sua biblioteca com cerca de mil exemplares, mais de 300 são autografados. A coleção de dedicatórias cresce a um ritmo de três novos títulos por semana, com Fugulin garimpando sebos, "dando uma de stalker [perseguidor]" de escritores (foi à casa de Lygia Fagundes Telles) e frequentando lançamentos e encontros literários variados.

    "O colecionismo não tem uma explicação lógica", diz o livreiro Gilvaldo Santos, do sebo O Buquineiro, em São Paulo, especializado em edições raras e em itens autografados. Ele mantém há 12 anos uma carteira fiel com 10 a 20 clientes, "dependendo do mês".

    "Num primeiro momento, é coisa de admirador. Você adora Clarice [Lispector] e, claro, aparece a oportunidade de ter um livro autografado, você pega", conta. "E há aqueles que não sentem a questão da empatia. É o fato de colecionar algo: como você coleciona maços de cigarros, coleciona autógrafos."

    DISPUTADOS

    Ramon Rodrigues, livreiro da Babel Livros, no Rio, diz que os compradores de autografados têm, em média, 40 anos, e preferência por literatura brasileira.

    "O valor mais alto que vendi foi uma edição de 'Dom Casmurro' autografada por Machado de Assis, por R$ 24 mil, já deve ter uns cinco ou seis anos", diz Rodrigues, lembrando a disputa ferrenha entre cinco compradores –um deles negociando por telefone– no leilão do clássico machadiano.

    Um exemplar autografado de Machado de Assis não sai por menos de R$ 3.000. Entre os literatos contemporâneos, o curitibano recluso Dalton Trevisan –cobiçado por Fugulin– é um dos que atingem preços altos no mercado: chega a R$ 600.

    Rodrigues conta que a autenticidade das assinaturas é comprovada em livros de referência, "que são transmitidos de família", ou comparando-as aos exemplares autografados "em acervos como o do crítico Fausto Cunha, que tem muita coisa com dedicatória".

    O livreiro diz que há colecionador para todos os gostos: tem um cliente que compra todas as edições de "Sagarana" com a assinatura de Guimarães Rosa que chegam à Babel. "Ele já comprou sete ou oito, para que ninguém mais tenha. Às vezes paga até R$ 4.000, disputa até levar."

    E tem aqueles como Fugulin, que vê o hobby como "um ato de humanismo". "É valorizar a produção humana. O autógrafo vai no contrafluxo do tempo, é uma pequena amostra da história da literatura."

    Se ele gostou do livro de Megan Maxwell? "Achei que fosse melhor, para ser bem sincero", diz o colecionador, fã de Fernando Sabino.

    RELÍQUIAS
    As vendas curiosas no mercado de livros autografados

    "Dom Casmurro", Machado de Assis
    A primeira edição do clássico do realismo brasileiro com a assinatura do maior escritor do país foi vendida a um colecionador por R$ 24 mil

    "Sagarana", João Guimarães Rosa
    Um colecionador quer comprar todas as edições autografadas da coletânea de contos do escritor mineiro. Já pagou R$ 4.000 num exemplar

    "O Anel Mágico", Dalton Trevisan
    O curitibano recluso é dono de uma das assinaturas mais valiosas entre colecionadores. Livros com seu autógrafo chegam a custar R$ 600

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