Num dos momentos mais bizarros de "Foxcatcher", que estreia nesta quinta (22) no Brasil, o mirrado bilionário John du Pont (Steve Carell, irreconhecível) desafia Mark Schultz (Channing Tatum), campeão olímpico de luta greco-romana, para um embate na intimidade de sua mansão.
Sozinho com o homem que patrocina seu sonho de uma grande equipe (Foxcatcher, daí o título) para disputar novos campeonatos mundiais ao lado do irmão, Dave (Mark Ruffalo), Schultz deixa o mecenas narigudo aplicar golpes e imobilizá-lo. Não é preciso ter PhD em interpretação para entender que o diretor Bennett Miller ("Capote") quis passar uma tensão sexual, quase uma cena de estupro.
"Olha, sei que muitos enxergam um conteúdo homossexual na luta greco-romana. Até os lutadores fazem piadas com o fato de usarem maiôs e se agarrarem", afirmou Tatum à Folha.
Scott Garfield/Divulgação | ||
Steve Carell em cena do filme 'Foxcatcher' |
"Mas não é o caso de John du Pont. Depois de toda a investigação que fiz sobre ele, cheguei à conclusão de que ele era assexuado. E aqueles garotos na fazenda só queriam lutar. A última coisa que você pensa quando está no ringue é em sexo."
Pode ser, mas o verdadeiro Mark Schultz, cuja memórias serviram de base para o trágico drama –cujo desfecho guarda um crime– não entendeu dessa maneira.
Seis meses após apoiar o filme durante a première mundial no Festival de Cannes, em maio de 2014, abraçando Tatum e posando para fotos com Miller, o ex-lutador foi às redes sociais demonstrar descontentamento com as insinuações sexuais do filme.
"Deixar o público com a sensação de que possa ter existido uma relação sexual entre mim e Du Pont é uma mentira doentia e insultante", escreveu Schultz, em dezembro.
No último fim de semana, ele voltou às redes sociais, agora para se desculpar. "Estou me sentindo terrível com o que fiz com Bennett", escreveu no Facebook, chamando o longa de "um milagre".
A controvérsia não chegou a prejudicar a carreira de "Foxcatcher" no Oscar –uma compensação, já que fracassou nas bilheterias americanas, estacionando abaixo dos US$ 10 milhões (R$ 26 mi).
Apesar de não ter conseguido ficar entre os melhores filmes, a produção foi indicada em quatro categorias principais (roteiro, direção, ator para Carell e ator coadjuvante para Ruffalo) e uma secundária (maquiagem).
Tatum não foi lembrado, mas entrega a melhor performance de sua carreira, emulando os movimentos animalescos do seu personagem.
O galã de "Magic Mike" pesquisou profundamente a vida de todos os envolvidos na história e viveu como (e com) Mark Schultz em boa parte dos dias durante as filmagens.
"Não teve nada de divertido neste filme", confessa o ator. "Fiquei feliz de ter terminado, foram 13 horas por dia com a câmera ligada e com Mark [Schultz] observando no set. Ninguém contava piada nos intervalos. Nem Bennett aguentava mais."
As cicatrizes foram ainda mais fortes. Tatum teve os tímpanos perfurados ao pedir para Ruffalo "estapeá-lo o mais forte possível" em uma cena.
"As lutas eram como um xadrez violento. Todo mundo se machucou, emocional, espiritual e fisicamente. Meus joelhos nunca mais serão os mesmos, quase quebrei o braço treinando com um atleta olímpico. Mas precisávamos ir em frente", revela Tatum.
"Uma coisa tenho certeza depois desse filme: nunca mais quero lutar na vida."
FOXCATCHER
DIREÇÃO Bennett Miller
ELENCO Steve Carrell, Channing Tatum, Mark Ruffalo
PRODUÇÃO EUA, 2014, 14 anos
QUANDO estreia nesta quinta (22)
AVALIAÇÃO ótimo