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    Crítica: Montagem usa rainha para condensar força da mulher

    GUSTAVO FIORATTI
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    30/01/2015 02h10

    Se o teatro preservou em si uma potência singular de compartilhamento entre artistas e espectador, a peça "Dissecar uma Nevasca", da sueca Sara Stridsberg, recorre a tal capacidade para conduzir o público pela sensação de existirmos em sujeitos que, não bastassem serem outros, atravessam os tempos.

    A dramaturgia da peça retorna a um tipo de perspectiva subjetiva tradicional, em que a protagonista, no caso uma princesa em vias de torna-se rainha, permanece sempre em cena.

    O espectador vai conhecer o desenrolar dos fatos através da ótica dela, como se dividíssemos inclusive seus delírios.

    Lenise Pinheiro/Folhapress
    Nicole Cordery e Renato Caldas em cena no Sesc Belenzinho
    Nicole Cordery e Renato Caldas em cena no Sesc Belenzinho

    Conforme a vida da protagonista passa, exposta por uma encenação esquemática em sua construção e absolutamente orgânica na apresentação do resultado, a personagem despoja-se de perfil psicológico para assumir o arquétipo de uma força feminina devastadora em seu desnudamento frente os contratos político de um reino preventivamente regido por homens.

    A peça é baseada na vida da rainha sueca Cristina (1626-1689), que herdou o trono aos seis anos e foi coroada aos 18.

    Escolha precisa, temporalmente localizada no despertar do iluminismo, quando o sexo feminino, estereotipado sob a ótica literária dos homens, margeava a evocação da razão.

    Embora a mulher apareça na peça como tenaz representação de uma paixão, redirecionando o fluxo do processo histórico, seu retrato não se dilui em esforço feminista.

    Sob a autoridade dela, o reino se desmantela por causa do conflito que opõe interesses da corte e a recusa da personagem em casar-se e ter filhos.

    Regida pela vontade, a força do sexo feminino concentrada na rainha Cristina torna-se então uma oposição à ordem. Eixo da devastação, ela se purifica na melancólica compreensão da relação entre destino e liberdade.

    Sob direção da sueca Bim de Verdier, Nicole Cordery (no papel de rainha) e o elenco com brasileiros fazem performance essencial e trabalho de voz raro, nítido e ao mesmo tempo pouco volumoso.

    DISSECAR UMA NEVASCA
    QUANDO qui., sex. e sáb., às 19h30, e dom., às 17h, até 8/2
    ONDE Sesc Belenzinho, r. Padre Adelino, 1.000, tel. (11) 2076-9700
    QUANTO de R$ 9 a R$ 30
    CLASSIFICAÇÃO 16 anos
    AVALIAÇÃO ótimo

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