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    Crítica: Escritos mostram Ivana Arruda Leite com texto mais afiado

    BEATRIZ RESENDE
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    31/01/2015 02h00

    Ivana Arruda Leite lançou dois livros de uma vez no final de 2014. O primeiro é "Contos Reunidos", com textos publicados de 1997 a 2005 em três livros que definiram sua trajetória peculiar, com a voz de narradoras predominantemente mulheres. O tom marcado desde os títulos: "Histórias da Mulher do Fim do Século", "Falo de Mulher" e "Ao Homem que Não me Quis".

    O segundo é o novo volume de contos, "Cachorros". Em seminário recente, a autora declarou que estava esvaziando um baú que levara anos enchendo.

    A leitura de "Cachorros" logo tranquilizará o leitor –a escritora está com sua pena mais afiada do que nunca e com os hormônios criadores nitidamente em alta.

    Fabio Braga/Folhapress
    A escritora paulista Ivana Arruda Leite, 63
    A escritora paulista Ivana Arruda Leite, 63

    No primeiro dos livros republicados, um microconto intitulado "Cadela", resumia as dondocas que podiam ser felizes com seus donos/maridos.

    Neste, aparece sobretudo o outro lado. Oportunistas, fingidos, infiéis ou frágeis, dependentes e inseguros, a verdade é que nenhum homem presta. Mas o interessante é ver como os dois gêneros convivem, como se suportam, como a humanidade, enfim, se reproduz e as duas partes sobrevivem.

    São breves tragédias cotidianas, construídas por quem domina as estratégias narrativas com tal habilidade que pode chegar a colocar o conflito dramático de toda uma existência em apenas duas páginas.

    As tragédias vão se transformando em tragicomédias justamente quando se tornam mais pungentes. O ingrediente fundamental é o humor, predicado, convenhamos, pouco comum em escritoras mulheres.

    O humor desconstrói o drama e altera qualquer relação de poder. Nos contos de Ivana, a autoironia que as vozes femininas dominam se transforma em arma poderosa.

    Não há poder masculino que possa destruir uma mulher que não teme se ver como "loba faminta e banguela". Aí elas podem amar os cachorros. "Na impossibilidade de comer um homem, comi uma truta com amêndoas que custou metade do meu salário". É ainda o viés do humor que se estende, sarcástico, até o erótico, ou a fantasias meio pop.

    A marca da escrita de Ivana, que se repete tanto nos livros compilados como no novo, é o ritmo marcado, rápido, de urgência, de vida em soluços, em sustos, mas sem nenhum tempo a perder em lamúrias ou melodramas. O sofrimento de amanhã não impede o prazer de hoje.

    Os homens são mesmo uns cachorros, mas não custa sonhar com algum quase príncipe encantado. Caso não venha, serve mesmo o sapo.

    Se precisar dar um presente para aquela amiga especial, a ideia está aí. Mas se os homens o lerem, a vida pode ficar mais fácil.

    CONTOS REUNIDOS
    AUTORA Ivana Arruda Leite
    EDITORA Demônio Negro
    QUANTO R$ 70 (276 págs.)
    AVALIAÇÃO ótimo

    CACHORROS
    QUANTO R$ 30 (90 págs.)
    AVALIAÇÃO ótimo

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