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    Ética e busca da verdade definem a ficção de Georges Bernanos

    TERESA DE ALMEIDA
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    31/01/2015 02h05

    Na ampla produção literária de Georges Bernanos, a preocupação com a ética ocupa um espaço fundamental.

    Com uma rígida formação dentro dos princípios do catolicismo e sendo ao mesmo tempo, como cidadão, dotado de uma postura rigorosa no que diz respeito à justiça social, o escritor francês assumiu diversas vezes posições que para muitos pareciam exacerbadas na defesa de seus princípios.No entanto, a prosa de Bernanos aproxima-se da poesia, na busca de "cadências líricas ou oratórias que restituem a beleza sobrenatural do mundo, e atacam as imposturas" ("Sob O Sol de Satã").

    Muitas páginas deste romance, escrito em 1926, bem recebido pela crítica e pelo público, já revelam a escuridão do mundo voltado para o mal, as trevas, a miséria e o desespero em que se encontra, por exemplo, a jovem de 16 anos, Mouchette, pobre, grávida de um homem de família nobre.

    É o marquês de Cadignan, indivíduo cínico, habituado a deflorar moças, sem preocupações com as consequências. "No entanto, ela havia corrido para ele, como para o vício, na ilusão há muito tempo acariciada de mais uma vez dar o passo decisivo, perder-se verdadeiramente."

    Sob o Sol de Satã
    Georges Bernanos
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    Mouchette assassina finalmente o amante, numa cena violenta e rica de sentimentos contraditórios (a jovem chora, ri, esconde seus verdadeiros propósitos) e, após a cena do assassinato do fidalgo, que a repudiara, foge e mais tarde dará à luz a uma criança morta.

    Surge ainda no romance a figura piedosa e exacerbada do padre Donissan, resolvido a se sacrificar, no sentido de purificar os seres pecadores, fazendo que com seu ato eles escapem da ação malévola de Satã. E a jovem protagonista em "A Nova História de Mouchette", prolongamento da primeira parte, termina suicidando-se, não recebendo pois a graça da salvação.

    Um outro romance de Bernanos, filmado em 1951 com sucesso por Robert Bresson, cineasta estranho, autor de filmes clássicos, trabalhando no texto bernanosiano com atores não profissionais, desconhecidos, sem experiência alguma, dotados no entanto de sensibilidade, é "Diário de um Pároco de Aldeia". Um jovem padre, dotado de grande generosidade, sente-se incapaz de salvar determinadas almas na província, e tal frustração impregna sua existência, tolda definitivamente sua vida.

    Além de outros romances, Georges Bernanos, que morreu em 1948, na França, deixou ainda uma peça teatral, encenada com sucesso em diversos países, Brasil inclusive, "Diálogo das Carmelitas".

    TERESA DE ALMEIDA é doutora em letras pela USP e autora da peça teatral "Fragmentos de Um Discurso Amoroso", baseada no livro de Roland Barthes.

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