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    Crítica: Reedição de Tinhorão traz 'pré-história' da indústria cultural do país

    NELSON DE SÁ
    DE SÃO PAULO

    07/02/2015 02h15

    Quando "Música Popular - Do Gramofone ao Rádio e TV" foi publicado em 1981, não foi recebido como merecia. Seu autor, José Ramos Tinhorão, estava deixando a crítica jornalística naquele momento, mas sua imagem era ainda marcada por décadas de ataques à Bossa Nova e ao Tropicalismo.

    Embora marxista, Tinhorão vinha questionando desde os anos 50 quase tudo o que se relacionasse culturalmente ao "partidão", o PCB. É célebre a denúncia que fez contra o "Opinião", espetáculo de Vianinha, Boal e outros, com Nara Leão, por "apropriação da cultura popular pela classe média".

    Mas o que se estabeleceu com o livro foi outro Tinhorão. Ele já vinha publicando obras de pesquisa extensa e rigorosa, embora não acadêmica. Com "Do Gramofone ao Rádio e TV", lança os fundamentos para uma história da indústria cultural brasileira.

    Ainda que tomando como pano de fundo a música popular, o que importa no livro, como ele escreve em nota na nova edição, é que foi "uma primeira notícia sobre as relações da tecnologia com os modernos meios de divulgação de sons e imagens da era industrial".

    Zé Carlos Barretta/Folhapress
    O crítico musical José Ramos Tinhorão, em São Paulo
    O crítico musical José Ramos Tinhorão, em São Paulo

    Diante de smartphones e internet, trata-se de uma "pré-história", avisa Tinhorão com inusitada modéstia. Na verdade, o livro desenha uma trajetória que pode ser estendida até os dias de hoje e ajuda a compreender como se chegou à prostração tecnológica e cultural.

    Uma de suas revelações, bem documentada, é a longa disputa do mercado brasileiro pelas invenções americanas e europeias. Tudo começa com uma demonstração do fonógrafo de cilindro em Porto Alegre, em 1879, dois anos após sua criação pelo americano Edison.

    Nos anos 1890, quando começa a comercialização dos fonogramas de música brasileira no Rio, Edison ganha a concorrência do francês Lioret. Fim dos anos 20, o mercado está inteiramente dominado pela alemã Odeon e pelas americanas Victor e Columbia.

    O passo seguinte é o rádio. Apesar do pioneirismo nacional de Landell e depois Roquette-Pinto, muito do confronto tecnológico –com influência sobre os formatos de conteúdo, inclusive publicidade– será entre americanos como a Westinghouse, que faz "o lançamento do rádio no Brasil" em 1922, e europeus como a Philips.

    É quando nascem os programas de auditório e os concursos de calouros, inspirados em emissoras de Nova York e que permitiram "o povo no palco", como saúda Tinhorão, que dedica a maior parte do estudo ao rádio.

    O passo final no livro é a TV, que chega ao Brasil pelas mãos da alemã Telefunken, com transmissão experimental em 1939, diante de Getúlio Vargas e do diretor dos Correios e Telégrados da Alemanha nazista. Cantaram então Francisco Alves, Dalva de Oliveira, Marília Batista.

    Com a guerra, a TV foi adiada por uma década, ressurgindo em demonstração da americana GE e, em seguida, na parceria da americana RCA com Assis Chateaubriand, da Tupi. Começa então, escreve Tinhorão, "a ruptura definitiva entre a produção de cultura a nível popular e a capacidade de divulgá-la".

    MÚSICA POPULAR: DO GRAMOFONE AO RÁDIO E TV
    EDITORA 34
    QUANTO R$ 44 (272 págs.)
    AVALIAÇÃO ótimo

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