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    Dupla registra rebeldes do Nobel em livro

    RAQUEL COZER
    COLUNISTA DA FOLHA

    17/02/2015 03h25

    Fazia mais de uma década que Gabriel García Márquez não dava entrevistas quando recebeu, em 2005, no México, os espanhóis Xavi Ayén, jornalista, e Kim Manresa, fotógrafo. Disse-lhes que aquele ano tinha sido o primeiro em que não escrevera: "E não tenho projetos nem perspectiva de tê-los".

    Aquela espécie de anúncio de aposentadoria do Nobel de Literatura de 1982 foi publicada num jornal espanhol e correu o mundo. Foi a última entrevista do colombiano, que morreu quase nove anos depois, em 2014.

    A conversa foi possível graças à agente de Gabo, Carmen Balcells, que se encantou com o projeto de Ayén e Maresa: entrevistar e fotografar todos os ganhadores do Nobel de Literatura em seus ambientes, longe das restrições das "entrevistas de hotel" marcadas por editoras.

    Divulgação
    O Nobel alemão Günter Grassr, em foto de Kim Manresa para o livro "Rebeldia de Nobel"
    O Nobel alemão Günter Grassr, em foto de Kim Manresa para o livro "Rebeldia de Nobel"

    CAUSAS

    "Rebeldia de Nobel", o resultado, saiu em 2009 na Espanha e no início deste ano no Brasil, pela Tinta Negra.

    Inclui 16 entrevistas feitas ao longo de três anos, do nigeriano Wole Soyinka, 80, Nobel de 1986, que os hospedou em casa, na selva, enquanto o país enfrentava três guerrilhas, à britânica Doris Lessing (1919-2013), Nobel de 2007, que, beirando os 90 e com dores na coluna, os recebeu sentada em sua cama improvisada sobre um sofá.

    Dos premiados até 2008, faltaram a austríaca Elfriede Jelinek, que sofre de fobia social; o irlandês Seamus Heaney, que estava doente; o sul-africano J.M. Coetzee, que não fala com a imprensa; e o francês J.M.G. Le Clézio –cuja entrevista, posterior ao livro, entrará em edição com os laureados a partir de 2009.

    A "rebeldia" do título se refere ao argumento, comum entre os entrevistados, de se sentirem de certa forma à margem da sociedade.

    "Notamos também que eram todos envolvidos com causas. Saramago era defensor dos desfavorecidos, Nadine Gordimer lutou junto a Mandela pelos direitos dos negros, Toni Morrison defende a mulher", diz Manresa.

    Até de V.S. Naipaul, famoso misantropo, desencavaram uma causa –em defesa dos animais. Mas o forte do livro são questões menos, por assim dizer, solidárias.

    FARRA

    Com o italiano Dario Fo, 88, a dupla viveu uma "farra lúdico-político-intelectual" em Roma, culminando com "o maior showman já reconhecido com o Nobel", de madrugada, entoando o hino trabalhista "Avante o povo, à luta/ A bandeira vermelha triunfará".

    Terminaram a noite alegres também com o escritor japonês Kenzaburo Oe, 79, após um passeio de metrô. Os três foram a um bar e, segundo o fotógrafo, o saquê lhes "subiu à cabeça".

    Um brincalhão Orhan Pamuk, 62, ameaçado de morte por ultranacionalistas turcos, aceitou passear sem guarda-costas com eles por Istambul. "Qualquer coisa, dispararão primeiro em vocês. Pensarão que são meus seguranças", disse ele.

    Os espanhóis ainda visitaram Naguib Mahfuz (1911-2006) semanas antes de ele morrer. Esfaqueado no pescoço em 1994 por um fundamentalista religioso, o egípcio, cego e quase surdo, não podia falar mais de uma hora seguida e deu a entrevista em pequenas doses diárias.

    Além de Gabo e Mahfuz, já morreram desde então os entrevistados José Saramago, Wislawa Szymborska, Doris Lessing e Nadine Gordimer.

    REBELDIA DE NOBEL

    AUTORES Xavi Ayén e Kim Manresa

    TRADUÇÃO Elisa Martins

    EDITORA Tinta Negra

    QUANTO R$ 65 (176 págs.)

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