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    Crítica: Livro simplifica jornalismo em críticas infantis

    NOEMI JAFFE
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    21/02/2015 02h35

    Há algo de sombrio no romance "A Nova República", de Lionel Shriver, autora do über best-seller "Precisamos Falar Sobre o Kevin". E não é do enredo que vem esse obscurantismo, mas de uma visão arrogante daquilo que o livro, aparentemente, quer criticar.

    O assunto é uma organização terrorista chamada "SOB", ou "Soldados Ousados de Barba". "Barba", por sua vez, é um país cuja capital se chama, inacreditavelmente, "Cinzeiro" e cujo braço político tem o nome de "Creme de Barbear".

    O país imaginário se situa, não tão surpreendentemente assim, ao sul de Portugal e a língua falada ali, é claro, é o português. Sim, o livro é pretensamente engraçado e esses nomes não foram inventados para soar sérios. Mesmo assim, o leitor se perguntará qual é a graça.

    David Levenson/Getty Images
    A escritora Lionel Shriver
    A escritora Lionel Shriver

    Edgar Kellogg é um profissional fracassado que, aproximando-se dos 40 anos, deseja a popularidade. Para isso, se oferece como jornalista numa redação, na tentativa de equiparar-se ao seu ídolo de juventude, o bem-sucedido jornalista Toby Falconer.

    Qual não é sua surpresa quando ele é prontamente enviado a Barba, país antes desconhecido, mas atualmente disputado pela imprensa em função de graves atentados terroristas. Para piorar, Barrington Saddler, estrela do jornalismo, desapareceu misteriosamente em Barba e Kellogg deverá encontrá-lo.

    Não é necessário que uma trama seja original para que um romance seja bom. Mas aqui, não bastasse o argumento clichê, o leitor deverá suportar 370 páginas de: "almofadas de veludo carmesim tinham se desbotado num rosa doentio, e sua penugem felpuda parecia achatada feito pelo de gato molhado" ou "enquanto galopava pelas ruas, o sedã de para-lamas arredondados entrava e saía da pista, a despeito da luta viril do motorista com o volante".

    A Nova República
    Lionel Shriver
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    Lionel Shriver escreveu este livro antes do atentado de 11 de Setembro e alega não tê-lo publicado antes porque as editoras, àquela época, não se interessavam por terrorismo e porque a própria autora ainda não era tão conhecida.

    Sim, a posteriori é mesmo sempre fácil encontrar razões aparentemente nobres para qualquer coisa, inclusive para o oportunismo. Ademais, a crítica ao jornalismo pretendida pelo romance esbarra em simplificações infantis.

    Mas nada disso se compara à visão de um pseudopaís das bananas, grudado a Portugal, onde os terroristas são caricatos, estabanados e, obviamente, falam português.

    Cara Lionel Shriver, não precisamos mais falar sobre Kevin. Desta vez, precisamos falar sobre assuntos mais sérios.

    A NOVA REPÚBLICA
    AUTORA Lionel Shriver
    TRADUÇÃO Vera Ribeiro
    EDITORA Intrínseca
    QUANTO R$ 39,90 (384 págs.)
    AVALIAÇÃO ruim "¢

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