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    Marina Abramovic ensina receita de suas obras no Brasil

    SILAS MARTÍ
    DE SÃO PAULO

    24/02/2015 02h30

    Marina Abramovic é um bicho estranho no mundo da arte, alguns diriam em extinção. "Sou a única que sobrou", diz a artista sérvia radicada em Nova York, considerada o maior nome da performance no planeta. "Ninguém da minha geração ainda faz isso."

    Desde os anos 1970, Marina, 68, vem revolucionando a linguagem de uma arte feita ao vivo, diante do público, usando –e às vezes quase destruindo– o próprio corpo.

    Em quatro décadas de carreira, ela trocou o underground de ações viscerais, como a que deixou facas e revólveres à disposição do público para que fizesse com ela o que quisesse, e ascendeu ao posto de maior celebridade que a performance já viu, entrando para um círculo de amizades que vai de Lady Gaga a Jay Z.

    Mais do que nunca, Marina é pop. E sabe disso. "Sou uma celebridade e meus amigos também são celebridades", afirma. "Não ligo para isso, nem para críticas. Só quero surpreender as pessoas."

    Na mostra que a artista abre em 10 de março no Sesc Pompeia, a maior de sua carreira no Brasil, Marina terá dois meses e todas as ferramentas para doutrinar artistas performáticos e arregimentar um novo séquito de fãs com seu já famoso "método Abramovic".

    Divulgação
    Marina no quarto rosa, em cena do filme 'A Corrente - Marina Abramovic no Brasil
    Marina no quarto rosa, em cena do filme 'A Corrente - Marina Abramovic no Brasil'

    Em sessões abertas ao público, ela vai ensinar, entre outras coisas, a ficar em silêncio absoluto, a não morrer de fome em jejuns que duram dias e a entrar em comunhão com a natureza –suas táticas quase militares para aprender a estar presente num grau de "consciência mais elevado".

    Num retiro com a artista num sítio perto de São Paulo, um grupo de performers brasileiros –entre eles Ayrson Heráclito, Maurício Ianês e Paula Garcia– vai viver na pele o seu método para depois apresentar ações em sua mostra.

    "É preciso entender que o corpo é uma máquina", diz a artista. "Essa disciplina é necessária para encarar as tarefas da performance. É uma questão de conexão entre mente e corpo para a criação de um espaço carismático."

    Ou seja, Marina quer abalar o espaço físico com sua presença, como fez em Nova York há mais de uma década, quando morou numa galeria por duas semanas, fazendo tudo à vista do público num apartamento cenográfico.

    "Era algo magnético", lembra James Westcott, ex-assistente e biógrafo de Marina, que lança agora no Brasil, pelo Sesc, o livro que escreveu sobre a artista. "Era como ver um bicho no zoológico, só que com mais empatia."

    Esse bicho virou um monstro midiático há cinco anos, quando Marina fez seu trabalho mais célebre. No átrio do MoMA, em Nova York, ela passava o tempo todo sentada numa cadeira recebendo os milhares de visitantes da mostra um a um para olhar fundo nos olhos deles –emocionados, alguns até caíam no choro.

    "Vivemos num estado de sonho, ignorando os outros", diz a artista. "Nunca olhamos ninguém nos olhos de verdade. Quero derrubar essas barreiras. Se você olhar fundo nos olhos de alguém, terá respostas a todas as suas perguntas."

    Esse lado esotérico da artista vem aflorando com mais força desde que ela trocou suas performances mais violentas pela série de ações mais contemplativas que vem realizando nos últimos anos.

    Em sua mostra paulistana, estarão registros em vídeo de alguns de seus trabalhos mais brutais, como a ação em que se deita no meio de uma fogueira em formato de estrela até perder a consciência, já que as chamas consomem todo o oxigênio ao seu redor.

    Ela também se enroscou em cobras venenosas, já se descabelou e se arranhou toda e cortou na barriga o desenho de uma estrela de cinco pontas.

    Mas suas estrelas agora são um tanto etéreas –seu trabalho mais novo é uma gravação sonora em que recita os nomes de milhares de astros, peça que estará numa mostra em paralelo à Bienal de Veneza, em maio, na cidade italiana.

    "Só depois de entender a dor física é que você entende a presença física", diz Marina. "Já não preciso repetir essas experiências dolorosas para entender a complexidade de outros estados físicos. Ficar semanas a fio sentada é menos espetacular, menos sangrento, mas é muito mais profundo, alarga os horizontes."

    DA VINCI E 'MONA LISA'

    No Brasil, Marina também procurou ampliar seus horizontes, viajando por 40 dias atrás de "lugares de poder", como o centro espírita do médium João de Deus, em Goiás, cavernas de cristal em Minas, terreiros de candomblé em Salvador e rituais do Santo Daime no interior baiano.

    Sua jornada espiritual foi documentada num novo filme, que estreia em maio, depois da abertura de mais uma mostra da artista na galeria Luciana Brito, em São Paulo.

    "Foi muito intenso participar desses rituais todos com ela", diz Marco del Fiol, diretor do documentário. "O filme trata dessa proximidade entre ritual e performance. Ela não deixa de ser a Marina em cena, mas o interessante é que ela é ao mesmo tempo o Da Vinci e a 'Mona Lisa', o criador e a obra, então rola uma fetichização em cima dela."

    Jochen Volz, responsável pela mostra da artista no Sesc Pompeia, observa, no entanto, que Marina vem saindo de cena para incluir mais o público em sua obra, como a ação que realizou na Serpentine, em Londres, no ano passado, em que visitantes eram convidados a contar feijões ou encarar uma sala em silêncio.

    "Ela vem criando possibilidades para que a presença dela não seja o centro das atenções", diz Volz. "Ela foi bem humilde e quase se retirou."

    Mas enquanto Marina abre espaço para o público nos museus, ela vem conquistando novos territórios. Depois de estrelar uma ópera de Bob Wilson, a artista prepara um filme em que será dirigida por sete cineastas, entre eles o mexicano Alejandro González Iñarritu, grande vencedor do Oscar deste ano, com "Birdman".

    Em cena, ela será uma cantora lírica assassinada sete vezes de formas distintas. "Vão me criticar dizendo que quero ser estrela de Hollywood, mas só quero deixar tudo ensaiado para o meu funeral", diz Marina. "A morte é o último grande ato de um artista."

    VEJA ONDE VER, LER E OUVIR A PERFORMER

    Marina Abramovic terá presença maciça no Brasil nos próximos meses, começando com sua retrospectiva, que abre em 10 de março no Sesc Pompeia (r. Clélia, 93, de ter. a sex., das 10h às 20h; sáb. e dom., das 10h às 19h; até 10/5; grátis; programação das performances no site sescsp.org.br).

    Na Luciana Brito, a exposição da artista começa em 6 de abril (r. Gomes de Carvalho, 842, de ter. a sáb., das 10h às 19h; até 16/5; grátis).

    O filme "A Corrente", sobre suas viagens pelo Brasil, estreia em circuito ainda não definido no dia 14 de maio.

    "Quando Marina Abramovic Morrer" (336 págs., preço a definir), biografia da artista escrita por James Westcott, sairá pelo selo Edições Sesc no dia 10 de março.

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