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    Gravadora abandona rapper Bobby Shmurda após prisão nos EUA

    JOE COSCARELLI
    DO 'NEW YORK TIMES'

    28/02/2015 03h00

    Acusado de formação de quadrilha e uso de armas de fogo, Ackquille Pollard, mais conhecido como o rapper Bobby Shmurda, do Brooklyn, está preso há meses. Ele recebe a visita de sua mãe duas vezes por semana, e ídolos do hip-hop também já lhe enviaram palavras de apoio.

    A única que ainda não se ofereceu para ajudá-lo —sua fiança está fixada em US$ 2 milhões— foi sua gravadora, a Epic Records.

    Apenas seis meses atrás, a Epic, subsidiária da Sony, cortejou Pollard, 20, com um contrato de sete algarismos para a criação de vários álbuns. O contrato foi firmado em grande parte graças a um sucesso viral do rapper, conhecido em versão censurada como "Hot Boy".

    John Lamparski/AFP
    O rapper Bobby Shmurda, também conhecido como Ackquille Pollard, na Suprema Corte de Nova York
    O rapper Bobby Shmurda, também conhecido como Ackquille Pollard, na Suprema Corte de Nova York

    Mas agora, depois de terem sido vendidos quase 1 milhão de downloads, a Epic se distanciou do rapper e se negou a ajudar a tirá-lo da cadeia.

    Pollard não é o primeiro artista a usar sua história de vida para tentar deixar a pobreza para trás, apenas para se ver preso dentro do mundo que descrevia. Mas sua ascensão e queda fulminantes ilustram os interesses conflitantes de um setor musical.

    As gravadoras talvez acreditem que o dinheiro e a fama ofereçam uma saída para jovens problemáticos. Mas alguns rappers, como Pollard, pensam, talvez ingenuamente, que estão recebendo orientação e lealdade.

    Astros mais velhos do hip-hop se lembram da época em que as gravadoras forneciam um serviço completo. O rapper 50 Cent relata de ter conseguido tirar da prisão em questão de horas artistas de seu selo na Interscope, o G Unit. Suge Knight, da Death Row Records, pagou a fiança de Tupac Shakur em troca de um contrato de gravação.

    Como o rap ficou mais corporativo, esse tipo de ajuda passou a ser incomum. Matthew Middleton, o advogado de entretenimento de Pollard, disse que a Epic não é legalmente obrigada a pagar a fiança ou as custas judiciais de Pollard, mas que o artista esperava receber mais apoio.

    "Durante anos essas empresas ganharam milhões e milhões de dólares com rapazes dos bairros pobres, expondo a situação deles ao resto do mundo", disse o advogado. "Tirar vantagem disso e explorar isso comercialmente, para então dar as costas ao artista, é desonesto."

    GANGUE

    De acordo com promotores de Nova York, Pollard foi preso por sua atuação como "força motriz" e "figura organizadora" por trás da gangue urbana conhecida como GS9. Segundo eles, em um incidente ocorrido um mês antes de ele assinar com a gravadora, Pollard disparou um tiro contra seu irmão, quebrando vidros numa barbearia no Brooklyn.

    Ele pode ser condenado a até 25 anos de prisão por formação de quadrilha, posse de armas e colocar vidas em risco. Pollard nega as acusações.

    Criado por sua mãe —seu pai, Gervase Johnson, cumpre prisão perpétua na Flórida por tentativa de homicídio—, Pollard já tinha se aventurado com a música, mas tinha várias passagens por centros de detenção de menores infratores.

    Leslie Pollard, sua mãe, se recorda da data em que o vídeo "Hot Boy" foi lançado online de modo independente: 28 de março de 2014. "Falei: 'Ackquille, isto vai virar um sucesso'", recordou. Mas a canção só foi notada em junho, quando um usuário do Vine carregou um clipe da "Shmoney Dance", de Pollard, uma dança rebolada imitada por jogadores da Liga Nacional de Futebol americano e por Beyoncé.

    Pollard assinou contrato com a Epic em 17 de julho. "Eles me disseram que iam me ajudar a virar um astro", contou.

    Suas canções soturnas foram elogiadas por relatarem o que acontece nas ruas. Nelas, Pollard fala de vender crack e diz que "todo mundo recebe buracos de bala".

    Agora, na cadeia, Pollard, que antes garantia a veracidade de seus versos, diz que as letras foram "inventadas", porque "é isso o que vende hoje em dia". E acrescenta que a gravadora o "contratou num momento vulnerável". "Eu estava louco para sair do bairro, da gangue. Sabia que ou eu iria morrer ou iria para a cadeia."

    De acordo com o indiciamento dele e de membros de sua gangue, que abrange 101 acusações, a polícia de Nova York investigava o GS9 desde 2013.

    Reggie Ossé, advogado do setor de entretenimento que já representou figuras do hip-hop, entre elas Jay Z, compara a história de Bobby Shmurda à do rapper Shyne, ex-cliente dele que firmou contrato com a Bad Boy Records antes de ser condenado a quase nove anos de prisão, aos 22 anos, por envolvimento num tiroteio.

    Como foi o caso do Shyne, "Bobby deve seu contrato à sua persona, a seu estilo de vida de gângster", disse Ossé. "Logo, em certo sentido, a gravadora e os ouvintes o estão incentivando."

    "A gravadora só se interessa por aquilo que você é contratado para produzir", explicou. "Cadê a ponte que o levará deste mundo para um mundo mais seguro? Ela não existe."

    Larry Jackson, ex-executivo da Sony e da Interscope, disse que dar apoio a um artista volátil é uma decisão pessoal, não obrigação da gravadora. "Em tempos mais saudáveis para o setor da música, talvez tivesse havido um pouco mais compaixão humana. Mas hoje esse setor passa por dificuldades reais, e as pessoas têm outras responsabilidade, como sua própria subsistência."

    Para o advogado Middleton, com base nas vendas e nos adiantamentos que Pollard recebeu até agora -um valor de seis algarismos-, a Epic "já recuperou pelo menos duas ou três vezes o que investiu".

    Pollard está cauteloso. Se for libertado sob fiança, diz que vai buscar um tipo diferente de liberdade: "Farei o possível para revogar o contrato. Se não der, vou dar a música à gravadora e cair fora."

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