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    Crítica: Adaptação de Dostoiévski cai no exagero e vira 'pastelão'

    CÁSSIO STARLING CARLOS
    CRÍTICO DA FOLHA

    27/02/2015 11h19

    O tema do duplo desde sempre fascinou a literatura e o cinema, das várias versões de "O Médico e o Monstro" até o recente "O Homem Duplicado" (2013). As ressonâncias metafísicas e psicanalíticas da ideia de duas pessoas semelhantes na aparência e avessas no caráter também sempre seduziram bons atores, atraídos pela possibilidade de representar múltiplas faces num único trabalho.

    "O Duplo" segue essa tradição ao adaptar o livro homônimo de Dostoiévski, segundo romance do escritor russo, publicado em 1846. Em seu segundo longa de ficção, o diretor britânico e também ator Richard Ayoade revela ter se interessado pelo tema como desafio à interpretação.

    Ele escalou o talentoso Jesse Eisenberg para o papel de Simon, simplório burocrata que um belo dia se depara com James, seu completo semelhante e antagonista.

    Simon, apavorado com a situação, pede a opinião de um colega, que lhe diz: "Você passa despercebido. Nem parece uma pessoa". O diálogo define a ausência de personalidade do personagem e pretende representar a multidão dos Zé Ninguém que povoam o mundo.

    Para dar corpo à intenção, "O Duplo" relê a solidão abissal do texto de Dostoiévski com uma visão mais associada à obra de Franz Kafka, tanto nos cenários como nas situações paranoicas, no sentimento de não existir e na representação do homem comum como mão de obra anônima e descartável.

    Tais escolhas distanciam o filme da releitura psicanalítica e política feita por Bernardo Bertolucci em "Partner" (1968), outra adaptação do mesmo livro, e o aproximam de "Brazil: O Filme" (1985), exemplar bem-sucedido do cinema britânico ao juntar sarcasmo e crítica.

    Em vez da angústia e do dilema moral literários, "O Duplo" escolhe o humor absurdo, que no cinema depende de sutilezas para não virar pastelão intelectual.

    Desatento a isso, o filme prefere cartunizar tudo, dos comportamentos aos cenários, impondo uma excessiva direção de arte que leva o filme a ficar mais com a aparência de desenho animado que de drama metafísico.

    A vítima maior dessa opção pelo exagero é Jesse Eisenberg, que pretende exibir habilidades nos papeis antagônicos, mas termina reduzindo seus desempenhos como idiota e esperto a uma irritante sucessão de caretas.

    O DUPLO
    (THE DOUBLE)
    DIREÇÃO Richard Ayoade
    ELENCO Jesse Eisenberg, Mia Wasikowska, Wallace Shawn
    PRODUÇÃO Reino Unido, 2013
    QUANDO estreia prevista em 5/3
    CLASSIFICAÇÃO 14 anos
    AVALIAÇÃO ruim

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