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    Crítica: Linguagem apurada de Cafiero não esconde falta do que dizer

    MARCELO O. DANTAS
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    28/02/2015 02h50

    A despeito das novas mídias (e das novas modas), a literatura continua a ser o mais fiel termômetro para avaliar um país.

    A boa literatura nos mostra o quanto podemos avançar, como indivíduos e nação, se nos levarmos um pouco mais a sério. Já a má literatura descortina os abismos a que iremos descer, caso nos entreguemos a nossa pequenez.

    Existe também a literatura mediana. Esta não prima pela genialidade, mas tampouco incomoda pela impostura. Apenas retrata o estado da arte, o ponto de repouso em que se acomodou a alma do país. Justamente por isso é tão perigosa.

    O volume de contos "Dez Centímetros Acima do Chão", de Flavio Cafiero, constitui exemplo perfeito dessa literatura morna. O autor domina a técnica da escrita: possui linguagem apurada e ousadia formal; esmera-se, sobretudo, em narrar com suspense, de modo que leitor somente saiba ao final do relato qual a chave de suas histórias. O problema está na falta do que dizer.

    Para um autor ser verdadeiramente bom, não basta alinhar palavras com destreza. A literatura é uma arte exigente. Ela requer aberturas ao profundo: narrativas instigantes, personagens densas e um olhar revelador sobre a alma humana. Tais virtudes não aparecem nos contos de "Dez Centímetros Acima do Chão".

    PLATITUDES

    A carência, para sermos justos, não é apenas de Flavio Cafiero, mas de toda a sociedade brasileira atual. Vivemos em um país que renunciou ao debate informado e ao pensamento questionador. Dialogamos em platitudes, valendo-nos de fórmulas pueris e artifícios de marketing. Essa mediocridade se reproduz em nossa literatura.

    Os temas de "Dez Centímetros Acima do Chão" são os mesmos da maioria dos autores atuais: a violência estilizada, a morbidez e a blasfêmia; a impossibilidade do amor, o desconforto com a infância e o fascínio pela decadência.

    Esse niilismo prêt-à-porter tornou-se um clichê. Ele sufoca a criação e pasteuriza o pensamento. É um academicismo às avessas, que destrói talentos, em lugar de estimulá-los. Ao final, todos os livros se parecem. E nenhum realmente importa.

    Flavio Cafiero tem talento de sobra. Mas precisa ainda aprender a mirar o mundo com um olhar verdadeiramente novo.

    DEZ CENTÍMETROS ACIMA DO CHÃO
    AUTOR Flavio Cafiero
    EDITORA Cosac Naify
    QUANTO R$ 32 (160 págs.)
    AVALIAÇÃO regular

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