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    Crítica: Superficial, 'Hora Amarela' é contrária aos clássicos distópicos

    NELSON DE SÁ
    DE SÃO PAULO

    06/03/2015 02h30

    Adam Rapp, o autor americano de "Hora Amarela", se diz influenciado pela inglesa Sarah Kane (1971-99). De fato, como é comum em suas peças, distinguem-se pastiches de "4.48", como a tal "hora" em que é possível andar com liberdade, e sobretudo "Blasted", também num quarto invadido por um mundo distópico –no caso de Kane, um eco do massacre de muçulmanos por cristãos na guerra da Bósnia (1992-95).

    Mas "Hora Amarela" quer no fundo ser o oposto "politicamente incorreto" da célebre dramaturgia inglesa "in-yer-face", de realismo "na sua cara": a distopia de Rapp é uma Nova York branca, "downtown", invadida por opressores vagamente muçulmanos, entre outras provocações menores e risíveis.

    Lenise Pinheiro/Folhapress
    Michel Bercovitch, Deborah Evelyn e Isabel Wilker (ao fundo) na peça 'Hora Amarela
    Michel Bercovitch, Deborah Evelyn e Isabel Wilker (ao fundo) na peça 'Hora Amarela'

    Por exemplo, a compra de um negro de 14 anos para servir em mais de uma maneira à branca solitária que perdeu o marido. Ou os stripteases das mulheres no meio dos escombros, entre eles uma banheira de uso recorrente.

    Com texto assim nas mãos, "masculino", não havia muito o que a diretora Monique Gardenberg, a cenógrafa Daniela Thomas e atrizes como Deborah Evelyn pudessem fazer –embora tenham tentado, com alterações na trama, ocultação parcial da banheira e interpretação quase maternal para a protagonista.

    Em particular, pode-se tentar ver um alívio à experiência de "Hora Amarela" na cenografia inventiva, que fecha o quarto num ambiente suspenso e sufocante. Mas é preciso dizer, em algum momento, que não é de hoje que as criações de Thomas combinam com textos reacionários.

    Melhor seria abraçar de vez a distopia para jovens adultos, "YA dystopia", gênero em que Rapp se insere nesta peça e em algumas novelas. Grande sucesso em vendas, é o gênero adolescente que gerou blockbusters como "Divergente" e "Jogos Vorazes".

    É ficção científica superficial e alienante, muito distante –e na verdade o oposto– de Philip K. Dick, Yevgeny Zamyatin e outros clássicos distópicos. Em vez de questionar alegoricamente a realidade e seus desdobramentos, como fazia Dick em "Do Androids Dream of Electric Sheep?" (1968), apenas reforça a aceitação do presente.

    É esse o universo "politicamente incorreto" de Rapp, abertamente conservador –e, em sua forma, um desfiar de diálogos mecânicos.

    HORA AMARELA
    QUANDO qui. e sex., às 20h; sáb., às 19h; dom., às 18h; até 29/3
    ONDE Sesc Bom Retiro, al. Nothmann, 185, tel. (11) 3332-3600
    QUANTO de R$ 9 a R$ 30
    CLASSIFICAÇÃO 16 anos
    AVALIAÇÃO bom

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