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    Raro, Oliver Sacks é escriba e bardo da condição humana

    MARCELO GLEISER
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    07/03/2015 02h39

    Como muitos leitores que leram o editorial do jornal "The New York Times", traduzido e publicado na Folha no dia 22 de fevereiro, fiquei chocado ao saber que Oliver Sacks, o neurologista e escritor, está com câncer terminal do fígado.

    Através de seus escritos e palestras, Oliver ilumina como ninguém as patologias neurológicas que afligem tantos de modos distintos, por vezes incapacitando as pessoas a se relacionar normalmente –aprisionadas dentro de si mesmas, suas humanidades engasgadas, implorando para serem reconhecidas.

    Na maioria dos casos, são pessoas cuja condição é tão rara e estranha que médicos não sabem o que fazer.

    Por isso mesmo, argumenta Sacks, devemos ouvir suas histórias, anotá-las, usá-las para forjar um caminho para uma cura ou, ao menos, para um caminho que incite a empatia e o respeito dos outros.

    Somos uma história, cada um de nós. E uma história sem um ouvinte é o mesmo que silêncio, que esquecimento. Apenas alguém muito especial pode ouvir e interpretar certas histórias; alguém como Oliver, escriba e bardo da condição humana.

    Oliver Sacks é uma alma rara, um coração de ouro que ressoa com um intelecto iluminado, pessoa de uma delicadeza emocional impar, capaz de vislumbrar os vestígios de humanidade enclausurados nos cantos mais escuros de vidas desintegradas.

    Ele sabe que as histórias de seus pacientes são suas também, que cada experiência o transforma, que cada conto que narra torna-se parte de sua própria história.

    Para Oliver, a vida é um grande experimento, uma exploração da condição humana que só rende frutos se tivermos coragem de nos entregar a ela por completo. Oliver é o homem mais corajoso que conheço.

    TEMPLO

    Conheci Oliver no final da década de 1990, na casa de nosso então editor, Luiz Schwarcz. Curioso sobre esse físico também interessado na condição humana, e típico de sua enorme humildade e generosidade, convidou-me a visitá-lo em Nova York, em meio a uma troca de correspondências que durou todos esses anos.

    Entrava na casa de Oliver como se num templo. Lá vinha ele com seus chinelos, em meio a pilhas de livros e artigos, querendo logo embarcar na conversa, questionar a natureza do conhecimento, a mente, discutir seus projetos e ideias.

    Como escreveu em seu artigo no "NYT", é "um homem de entusiasmos violentos, imoderado ao extremo em todas paixões".

    De nossa parte, Oliver, posso garantir que nossa gratidão por suas paixões não tem medida, que é um "enorme privilégio e aventura" dividir nosso tempo contigo "neste belo planeta", tal como você escreveu. Sua criação permanecerá viva entre nós, inspirando e iluminando muitas gerações ainda por vir.

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