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    Encontro literário na França ativa busca por autores do Brasil

    LUCAS NEVES
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM PARIS

    20/03/2015 02h50

    Para ser mais lida e comentada na França, falta à literatura brasileira contemporânea "uma locomotiva, uma estrela, um autor a um só tempo popular e de estatura, como é hoje o moçambicano Mia Couto" -e foi décadas atrás Jorge Amado (1912-2001), com os 100 mil exemplares de seu "Bahia de Todos os Santos" vendidos no país de Baudelaire.

    O diagnóstico é do livreiro e editor francês Michel Chandeigne, veterano entusiasta da lusofonia, em entrevista publicada pelo "Figaro" na quinta-feira (19), dia da abertura para convidados do Salão do Livro de Paris, que neste ano faz um tributo às letras brasileiras.

    A lista de lançamentos recentes sugere que as editoras locais estão ativamente à procura da "vedete" preconizada por Chandeigne.

    Bruno Poletti/Folhapress
    Retrato do escritor Bernardo Carvalho, em 2013
    Retrato do escritor Bernardo Carvalho, em 2013

    Só nos últimos dois meses, saíram traduções de Ana Paula Maia ("De Gados e Homens"), Conceição Evaristo ("Ponciá Vicêncio"), Bernardo Carvalho ("Reprodução"), Adriana Lisboa ("Hanói"), Paloma Vidal ("Mar Azul"), Luiz Ruffato ("Estive em Lisboa e Lembrei de Você") e Carola Saavedra ("Paisagem com Dromedário"), entre outros.

    O "boom", é claro, deve ser lido no contexto de um "aquecimento de turbinas" para a homenagem ao Brasil na feira parisiense -todos os autores citados acima estão na delegação nacional.

    Mas, para além da "bolha" pontual, o professor da Sorbonne Leonardo Tonus, cocurador da participação brasileira, aponta um interesse crescente da parte de casas não habitualmente afeitas à produção do país, como as prestigiosas Seuil (que publicou em fevereiro "O Drible", de Sérgio Rodrigues) e Gallimard (pela qual acabam de sair "Fim", da colunista da Folha Fernanda Torres, e "Barba Ensopada de Sangue", de Daniel Galera).

    "Ainda falta [traduzir] poesia, teatro e ciências humanas", pondera ele, que tenta contribuir para o preenchimento da lacuna com a apresentação, no salão, de um número bilíngue da revista "Pessoa", antologia que reúne nomes ainda não vertidos ao francês, como os poetas Alice Sant'Anna, Ana Martins Marques e Eucanaã Ferraz.

    SEM CONTINUIDADE
    A publicação digital "Machado de Assis Magazine", parceria da Fundação Biblioteca Nacional (FBN) com o Itaú Cultural, inscreve-se no mesmo esforço. Seu sexto número entra no ar nesta sexta, com excertos em inglês, francês ou espanhol de Miguel Sanches Neto, Rodrigo Garcia Lopes e João Anzanello Carrascoza, entre outros.

    O senão aqui é a periodicidade errática. As cinco edições anteriores da revista saíram num intervalo de um ano -a derradeira, coincidindo com a homenagem ao Brasil na Feira de Frankfurt, em outubro de 2013.

    O editor Felipe Lindoso atribui o hiato de um ano e meio à burocracia estatal (a FBN está subordinada ao Ministério da Cultura). "Neste contexto udenista em que estamos vivendo, todo contrato tem de passar por 200, 300 advogados", diz.

    Outro mecanismo de incentivo à internacionalização da literatura brasileira são as bolsas de apoio à tradução da Biblioteca Nacional. No ano do Brasil em Frankfurt, 39 projetos de versões alemãs foram contemplados, contra 24 no ano anterior (2012) e meros 12 no seguinte (2014).

    "A questão foi a demanda. Não há um histórico consolidado de traduções para esse idioma. Muitas editoras querem avaliar a acolhida aos primeiros lançamentos [no mercado em que atuam] antes de investir numa determinada literatura nacional", justifica Fabio Lima, coordenador do programa de apoio à tradução da instituição.

    Ele acredita que a oscilação brusca nos benefícios para obras em alemão não deve se repetir no caso francês (24 bolsas em 2013, 21 em 2014), por se tratar de um mercado tradicionalmente mais atento à criação do país sul-americano.

    Apesar da possibilidade de arrocho orçamentário em 2015, por causa do quadro econômico brasileiro, e dos relatos de atrasos de mais de seis meses no pagamento de algumas bolsas, Lima diz que o total de subvenções à tradução não deve variar de forma expressiva (foram 169 no ano passado).

    Na França, um programa do Centro Nacional do Livro (CNL) elevou em 2015 para 70% a cobertura dos gastos com traduções português-francês, por causa da homenagem ao Brasil no salão -a alíquota habitual fica entre 50% e 60%. Desde 2006, 30 obras se valeram desse benefício, em seleção que vai de Guimarães Rosa e Clarice Lispector a Tatiana Salem Levy e Raimundo Carrero.

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