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    Ator defeca lixo do mundo em peça do Teatro Oficina

    GABRIELA MELLÃO
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    20/03/2015 02h23

    Na pele de Antonin Artaud (1896-1948), dramaturgo e teórico francês considerado um dos grandes pensadores do teatro, o ator Marcelo Drummond eleva excrementos humanos como um religioso que abençoa uma hóstia. "Onde cheira merda, cheira ser", proclama ele, glorificando os dejetos em "Pra Dar um Fim no Juízo de Deus", peça radiofônica de Artaud remontada por Zé Celso, que estreia neste sábado (21) no Teatro Oficina.

    As fezes são geradas pelo ator Pascoal da Conceição diante dos olhos da plateia. Se por um lado simbolizam o lixo da humanidade, por outro representam a própria natureza. "Por mais paradoxal que seja, defecar em cena é trazer ao palco uma grandeza que é da nossa essência mais íntima", diz Pascoal.

    Ayume Oliveira/Divulgação
    "Pra dar um Fim no Juízo de Deus", nova montagem de Zé Celso para texto homônimo de Antonin Artaud
    "Pra dar um Fim no Juízo de Deus", nova montagem de Zé Celso para texto homônimo de Antonin Artaud

    Ele conta que sua tarefa é árdua. "Deu uma trava no início dos ensaios. Não fazia nada. O ato exige muita concentração. Todo meu tempo fica tomado por conta disso. Tudo o que eu como, e como eu como, é determinante", fala. Foi preciso uma entrega desmedida ao papel: "É uma dedicação necessária a esta arte, e pregada por Artaud".

    Além de sacralizar dejetos humanos, o espetáculo também usa sêmen e sangue dos atores, uma contrapartida à produção artificial da humanidade, como guerra, consumo, autoritarismo e qualquer movimento capaz de distanciar o homem de sua essência.

    O diretor pega carona no pensamento de Artaud para "refazer a anatomia social do homem de hoje, liberta de juízos impostos". Ele, que já havia montado a obra na década de 1990, volta a usá-la como resposta para a recente mobilização dos brasileiros.

    "Nestes dias de desmascaramento de tudo, este março tão cruel e excitante, senti a pulsão de estar em cena o mais rápido possível. Partimos então para Artaud e esse seu manifesto da carne humana", afirma Zé Celso.

    Como no passado, a montagem, praticamente sem cenário ou figurino, mantém a simplicidade. "Não há mais nada a não ser o sangue, o esperma e o cocô novos de cada noite, imersos no poder da peça de Artaud, onde investimos nossos corpos como formidáveis putas, botando fé na bilheteria", explica Zé Celso.

    O encenador desdobra as vibrações libertárias de Artaud entre quatro atores e um coro. "Todos são Artauds", esclarece ele, que faz um Artaud envelhecido, dizendo a que veio numa mesa de autópsia. "Essa transmissão radiativa serve, em princípio, para denunciar um certo número de bostas sociais, oficialmente reconhecidas e recomendadas", fala em cena.

    A atriz Camila Mota encarna um Artaud fora de si, encarcerado por uma camisa de força. A coerência de seu discurso evidencia a sanidade desse homem, que foi estigmatizado como louco e passou nove anos num manicômio: "Chega um ponto em que me vejo forçado a dizer não. Não ao não. Não à negociação", proclama Camila, no palco.

    PRA DAR UM FIM NO JUÍZO DE DEUS
    ONDE Teatro Oficina, r. Jaceguai, 520, tel. (11) 3106-2818
    QUANDO sáb., às 21h, e dom., às 20h; até 12/4
    QUANTO de R$ 5 a R$ 40
    CLASSIFICAÇÃO 18 anos

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