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    Análise: Zé Bonitinho encarnou com maestria a vingança dos mais fracos

    ANDRÉ BARCINSKI
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    26/03/2015 16h32

    Jorge Loredo, morto nesta quinta (26) aos 89 anos, dizia que seus grandes ídolos na comédia eram Chaplin, Buster Keaton e os Irmãos Marx. Mas a maior criação do comediante - Zé Bonitinho, o feioso de topete de Gumex que vivia penteando as sobrancelhas com um pente de meio metro e cercado de belas mulheres - deve muito à comédia italiana de Totò e às chanchadas de Oscarito e Grande Otelo.

    É impossível ver Zé Bonitinho, "o perigote das mulheres", em ação e não lembrar Totò (1898-1967), o cômico italiano que, em mais de 100 filmes, encarnou o estereótipo do napolitano pobre, feio e malandro, que usava a esperteza e cara de pau para se dar bem e vivia às turras com os italianos "ricos" do norte do país.

    Também é nítida, na criação de Zé Bonitinho, a influência de nossas chanchadas dos anos 1940 e 50. É só lembrar Oscarito (1906-1970) de peruca "Príncipe Valente", encarnando Romeu, e Grande Otelo (1915-1993), de longas tranças louras, interpretando Julieta em "Carnaval no Fogo" (1949), de Watson Macedo.

    De certa forma, todos esses personagens simbolizavam uma reação e sátira à "sofisticação", como se os comediantes assumissem a própria pobreza e esculacho, mas nunca fazendo deles motivo de ressentimento. Era só uma forma divertida e anárquica de brincar com as diferenças sociais e culturais.

    Para criar Zé Bonitinho, uma das inspirações de Loredo foi um garçom de uma pensão que frequentava. Dizia o comediante que o sujeito, feio de doer, se achava o maior galã do pedaço e vivia louvando a própria beleza e seus dotes de Don Juan. Loredo transformou o personagem num palhaço, exagerando suas feições, falando frases em inglês inventado e criando bordões imortais, como "Garotas do meu Brasil varonil: vou dar a vocês um tostão da minha voz!".

    A comédia é a vingança dos mais fracos. Se não pode vencê-los, satirize-os, faça troça da beleza e perfeição. Nisso, Zé Bonitinho foi mestre. Era um feioso que acreditava ser lindo e agia como um Rodolfo Valentino do subúrbio. O público achava graça de sua empáfia caricata.

    Mas Zé Bonitinho não foi a única criação importante de Jorge Loredo. Como esquecer o mendigo My Lord, que falava português com sotaque britânico, usava um monóculo e fumava um cotoco de charuto enquanto relatava suas andanças pelo "high society" e seus encontros com celebridades? My Lord foi outro anti-herói tragicômico encarnado por Loredo, um personagem que conseguia transformar pobreza em graça.

    ANDRÉ BARCINSKI é jornalista e autor do livro "Pavões Misteriosos" (Três Estrelas).

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