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    Filme usa voz de Leonilson para narrar seu triste fim

    SILAS MARTÍ
    DE SÃO PAULO

    02/04/2015 02h15

    "Uma tela não é muito diferente de uma manhã minha." Em tom de confissão, José Leonilson resumiu nessa frase a discussão sobre se sua obra era ou não autobiográfica, se era verdade ou ficção.

    Em 19 fitas cassete, o artista plástico, morto por causa da Aids aos 36, em 1993, gravou um diário narrando seus últimos anos de vida. É sua a voz que conduz "A Paixão de JL", filme de Carlos Nader, que estreia no festival É Tudo Verdade em 12 de abril, no Rio, e dia 15, em São Paulo.

    Vencendo a resistência da família, que a princípio não queria a divulgação das fitas e chegou a barrar a publicação de um livro com a transcrição delas há 15 anos, Nader, que era amigo do artista, teve acesso às confissões e fez delas o fio condutor da trama.

    João Caldas - 16.mar.1987/Folhapress
    O artista plástico Leonilson Bezerra Dias posa para foto na Galeria Luisa Strina
    O artista plástico Leonilson Bezerra Dias posa para foto na Galeria Luisa Strina

    Tanto que Leonilson, famoso pela construção de uma obra sobre a solidão e desilusões amorosas, não está em cena –só sua voz. Seu diário sonoro ancora a narrativa, ilustrada por suas últimas peças, desenhos e bordados delicados, e por cenas de filmes que viu e do noticiário da época.

    Não fosse a riqueza visual de seu trabalho e a turbulência do momento em que viveu, seria um filme seco. Muitas cenas, aliás, não passam de uma fita rodando no gravador.

    "Ele fez o diário já pensando que isso se tornaria público", diz Nader. "Tem a construção de um personagem ali. Você fica no limbo entre extrair a essência dessa pessoa ou ficar com a persona que ele construiu. Fica a dúvida se ele está vestindo uma máscara."

    De fato, o Leonilson que surge no documentário está mais próximo daquele que aparece em sua obra. É um cara frágil, inseguro e carente, longe de ter o humor ácido e fortes convicções políticas que seus amigos ainda comentam. Beira o desespero.

    E a força do discurso parece oscilar com a evolução da doença –ele alterna resultados de seus exames de sangue com defesas de sua obra, como se tentasse se enxergar melhor no espelho.

    "Não sou uma bicha, tenho certeza da minha masculinidade", diz Leonilson, a certa altura do filme. "Mas não sei qual é a minha identidade."

    ESTETIZAÇÃO DO VÍRUS

    Nader reconhece essa imprecisão. Sempre na sombra, Leonilson definha diante da câmera –mantidas em ordem cronológica, as gravações vão da descoberta da doença até pouco antes de sua morte.

    Nesse sentido, a Aids é o antagonista do filme, numa quase estetização do vírus que corrói a vida do artista. Nader constrói um retrato às avessas, mostrando só a dissolução de Leonilson, ou a triste crônica de uma morte anunciada.

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