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    Akram Khan e Israel Gálvan mostram sua tourada coreográfica no Brasil

    IARA BIDERMAN
    ENVIADA ESPECIAL A LUXEMBURGO

    02/04/2015 02h00

    Akram Khan, filho de bengaleses nascido em Londres, e Israel Gálvan, espanhol da Andaluzia, se uniram para criar uma coreografia em que misturam suas especialidades, o katak e o flamenco, reformulados pela
    dança contemporânea.

    O resultado é um duelo em cena, em que cada um se aventura pela linguagem do outro: "Torobaka" (touro e vaca) é a tourada coreográfica que abre a terceira edição do festival O Boticário na Dança, em São Paulo, no dia 6/5.

    É um show de virtuose cheio de surpresas: das novas formas que dão aos passos de cada estilo às brincadeiras e disputas entre os dois, passando pelo mistério das vozes dos cantores do espetáculo, com participação ao vivo dos músicos.

    A ligação entre o katak, dança clássica indiana, e o flamenco é conhecida por estudiosos (acredita-se que o estilo espanhol teve sua origem na Índia) e pode ser reconhecida por leigos.

    "Temos uma linguagem comum, que é a do ritmo", diz Khan em entrevista à Folha.

    As carreiras dos dois bailarinos também têm pontos em comum: eles são famosos por renovarem a suas danças "de berço". Mas nunca tinham se encontrado até 2013, quando um produtor cultural espanhol sugeriu que cada um assistisse ao outro dançar.

    "Já tinha visto coisas de flamenco, algumas boas, outras superficiais. Mas quando vi Gálvan pensei: 'Isso é especial'", conta Khan. Já Gálvan diz que assistia a espetáculos de katak como "um souvenir que traziam da Índia". "Quando vi Akram, percebi ali um dançarino de flamenco."

    Apesar da troca de gentilezas, o primeiro encontro dos bailarinos não foi tão fofo assim. "Israel chegou e me disse: 'Vou te apunhalar'. Fiquei chocado, nenhum artista que conheço falaria isso. Mas fazia sentido", diz Khan.

    Gálvan confirma: "Falei que ia matar, sim! O flamenco tem um veneno que está no gene da pessoa. Todos são amigos, mas na hora de dançar é sempre uma luta, ou
    então não seria flamenco".

    Para essa conversa inicial, eles contaram com um intérprete (um bailarino espanhol da companhia de Khan). Mas, na maior parte do tempo, eles se comunicam pela dança, já que não falam a mesma língua.

    Criaram um idioma próprio, em que os estilos tradicionais mostram o que está além de suas raízes, o que seriam antes de se tornarem danças formais.

    "Tento encontrar um lugar onde as pessoas não possam identificar o que é tradicional e o que é contemporâneo. A dança tem a possibilidade de ser ambígua", diz Khan.

    "Torobaka" também foi para os bailarinos a possibilidade de incorporar não só o estilo, mas o espírito do outro. Khan, o representante da vaca sagrada da Índia, impassível como um monge, tornou-se um pouco do touro guerreiro representado por Gálvan.

    FOGO E ÁGUA

    A coreografia une elementos opostos, mas complementares. "O corpo de Israel é fogo e ar, o meu, terra e água. O flamenco é uma dança para pessoas, o katak é para os deuses", afirma Khan.

    Por isso, o guerreiro Gálvan que se tornou um pouco monge prefere tratar a obra como encontro, não confronto. "Quando danço com ele é um diálogo, mas não me toque, senão te mato. É como com os animais, um não pode invadir o território do outro", diz.

    Mas, dançando, eles chegam a um acordo. "Eu viajei para a Índia e ele para Sevilha. Akram voltou com o sangue e eu, com as flores", afirma Gálvan.

    A jornalista IARA BIDERMAN viajou a convite do festival O Boticário na Dança

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