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    Filme póstumo de Eduardo Coutinho abrirá É Tudo Verdade

    GUILHERME GENESTRETI
    DE SÃO PAULO

    07/04/2015 02h33

    Sentado de frente para a câmera, assim como fazia com seus entrevistados, o diretor Eduardo Coutinho (1933-2014) resmunga. Diz que preferia filmar crianças, e não adolescentes, "porque elas não precisam fingir, enquanto que os jovens já vêm moldados". Afirma que está rodando um "filme que deve dar errado".

    "Últimas Conversas", documentário que o diretor paulista finalizava quando foi morto pelo próprio filho, abre o festival É Tudo Verdade de documentários nesta quinta (9) para convidados e na sexta (10) para o público. No longa, que estreia em circuito comercial em maio, Coutinho entrevista adolescentes da rede pública de ensino do Rio.

    Após a morte do documentarista, o também cineasta João Moreira Salles, sócio da VideoFilmes, produtora dos trabalhos de Coutinho, assumiu a finalização do filme. Ele acompanhou de perto a edição e deu a palavra final.

    Divulgação
    Cena do filme 'Últimas Conversas', de Eduardo Coutinho
    Cena do filme 'Últimas Conversas', de Eduardo Coutinho

    Coutinho evitava aparecer em frente às câmeras, como já havia deixado claro em filmes anteriores. As cenas iniciais, portanto, talvez não passassem por seu crivo. Mas servem para contextualizar o documentário, diz Jordana Berg, que editou o filme.

    'GENTE LOROTEIRA'

    Das conversas, Eduardo Coutinho extrai histórias de abuso, racismo, morte e amor. "O mundo é feito de gente loroteira", diz uma garota que escreve histórias em que os vilões sempre se dão bem "porque são mais espertos". Outra menina diz, chorando, que a relação com sua mãe "não é linda como em novela".

    Coutinho deixa entrever suas diferenças com os jovens: não sabe mexer no celular que muitos trazem consigo; discorda de algumas falas ("viver também é sofrer" responde a um garoto para quem "viver sem amar não faz sentido").

    Também deixa escapar alguns comentários: "Como é surtar? Eu queria tanto surtar", diz a um estudante que sofria bullying na escola. Outro garoto fica desconcertado quando o diretor permanece em silêncio por algum tempo.

    "Acho que o comentário mais significativo de todos é o que ele faz sobre a importância do silêncio", diz Jordana. "Sobre quando a barra pesa quando deixamos de ouvir todo o barulho e ficamos a sós."

    A montadora comenta a relutância do diretor em filmar adolescentes. "Coutinho tinha interesse na memória e acreditava que os jovens vivem só o presente, e que sobre o presente não há nada a ser dito."

    COMO UM MARCIANO

    O plano inicial -rodar com crianças- não deu certo porque necessitaria de autorizações dos pais. "Com as crianças, o que ele buscava era falar com quem ainda não havia sido contaminado pela cultura", afirma Jordana. "E perguntar coisas sobre a função do dinheiro, do emprego, como se fosse um marciano para quem nada fosse óbvio."

    Embora o diretor pareça insatisfeito no início do filme, o resultado, contudo, deve ter lhe agradado, na opinião de Jordana, que conversou com o diretor três dias antes de sua morte. "Estava menos negativo do que antes, acreditava que tinha um filme."

    "Ele estava sempre em busca do encontro", diz. "Nesse filme, apesar de crer inicialmente que isso não se daria pelo abismo com os adolescentes, encarou as diferenças e os encontros aconteceram."

    O É Tudo Verdade, maior mostra de documentários do país, abre para o público na sexta (10) com exibição de 109 filmes, incluindo 16 estreias mundiais (leia abaixo).

    OUTRAS CONVERSAS

    Destaques do festival É Tudo Verdade

    Na programação especial há o vencedor do Oscar "Cidadãoquatro", sobre o informante Edward Snowden, e o francês "Cartunistas", que trata de liberdade de expressão e fundamentalismo religioso.

    O artista José Leonilson e o produtor Carlos Imperial são algumas das personalidades perfiladas nos documentários em exibição na competição brasileira.

    A partir deste ano, os curtas do festival ganham acesso privilegiado para serem avaliados pela Academia e tentarem um Oscar. Entre os títulos, "Caetana", de Felipe Nepomuceno, que fala com Ariano Suassuna.

    Nos 20 anos do festival, uma programação especial reúne aos pares títulos que têm algum diálogo, caso de "Cidadão Boilesen" e "Tropicália", ambos sobre o contexto do país nos anos 60.

    O documentarista Vladimir Carvalho, de "O Homem de Areia", é homenageado com retrospectiva. Centenário de Orson Welles é lembrado em dois filmes: "Verdades e Mentiras" e "It's All True".

    ÚLTIMAS CONVERSAS
    DIREÇÃO Eduardo Coutinho
    PRODUÇÃO Brasil, 2015
    QUANDO Em SP, no É Tudo Verdade: sex (10), às 21h, e dom. (19), às 17h, no Cine Livraria Cultura, r. Padre João Manuel, 100, tel. (11) 3285-3696; No Rio, no É Tudo Verdade: sáb. (11), às 19h, no Espaço Itaú Botafogo, praia de Botafogo, 316, tel. (21) 2559-8750; dom. (12), às 20h, no Instituto Moreira Salles, r. Marquês de São Vicente, 476, tel. (21) 3284-7400
    QUANTO grátis (senhas distribuídas uma hora antes)
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