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    Encenada no escuro, peça 'Acorda Amor' propõe experiência de cegueira

    IARA BIDERMAN
    DE SÃO PAULO

    10/04/2015 02h10

    Você não vai ver "Acorda Amor", segunda montagem do Teatro Cego, que estreia nesta sexta (10), em São Paulo. O espetáculo é encenado no mais completo breu. Como adianta o nome do grupo, é uma peça em que a visão não faz parte do programa.

    Mas não é uma peça para cegos. A proposta é mostrar para todo o tipo de público uma montagem em que nada se vê, mas tudo se entende.

    A experiência de assistir sem ver é a parte mais curiosa de "Acorda Amor". Foi o que a reportagem experimentou na semana passada, em uma apresentação para convidados na produtora Caleidoscópio, sede do grupo, na zona norte de São Paulo.

    A maior parte do público presente enxergava. Por isso, a produção reuniu os espectadores para uma série de orientações antes da entrada no teatro –e de um mergulho na escuridão.

    O público entra na sala em fila indiana, cada um com a mão no ombro da pessoa à sua frente. A entrada se dá em quatro times.

    "Lembrem o número do grupo. Se, durante a peça, alguém se sentir mal, levante a mão e diga em que grupo está, e a produção irá buscar e levar essa pessoa para fora da sala. Só não pode voltar", orienta a produtora Paula França. Ela é cega.

    A medida, diz Paulo Palado, diretor do Teatro Cego, é para o caso de a pessoa não suportar a angústia de ficar na mais completa escuridão. "Tem quem passe mal mesmo", conta ele, que enxerga.

    Na sessão da qual a reportagem da Folha participou, ninguém surtou. O maior desconforto foi mesmo a entrada. Um bando de desajeitados tateando cadeiras para poder sentar e a espera até todos os grupos se acomodarem.

    NO ESCURO

    Começa a peça e, rapidamente, esquecemos que não estamos vendo nada. Dá para entender a trama no escuro: histórias de jovens que lutaram contra a ditadura nos anos 1970 e de triângulos amorosos já fazem parte do repertório do grande público.

    O mesmo pode ser dito sobre as músicas de Chico Buarque, tocadas pela banda Social Samba Fino, que conduzem o espetáculo. "A música é de certa forma nosso cenário", diz o diretor Palado.

    O sentido da audição é mesmo o mais aguçado na peça. Além da música, a entonação das falas, que revela cada personagem. "Num teatro em que não ninguém vê, você precisa passar tudo pela voz", diz a atriz Sara Bentes, pivô do triângulo amoroso da peça.

    Há também os "sons ambientes", que vêm de todas as direções e fazem o espectador caminhar pelos cenários não vistos. "A movimentação é fundamental. Tem que ser tudo marcadinho, a gente não está usando bengala para se locomover. Mas os atores que enxergam são os que mais demoram a se acostumar com a marcação", diz Bentes, cega.

    O olfato também é ativado quando aromas de banho, café ou comida se espalham pela sala, explicitando as ações de certas cenas. E, em uma única cena, a sensação tátil é estimulada, quando a água é respingada no público.

    ACORDA AMOR
    QUANDO estreia sex. (10). Sex. e sáb., às 21h; dom., às 20h; dia 17/4, às 19h e 21h. Até 19/4
    ONDE Centro Cultural São Paulo, r. Vergueiro, 1.000, tel. (11) 3397.4002
    QUANTO R$ 20
    CLASSIFICAÇÃO 14 anos

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