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    'O Diário da Esperança' sublinha aspecto frio de crianças na guerra

    CÁSSIO STARLING CARLOS
    CRÍTICO DA FOLHA

    17/04/2015 02h22

    A tragédia da guerra pelo olhar de crianças não é novidade no cinema. Filmes como "Brinquedo Proibido" (1952) e "A Vida É Bela" (1997) reimaginaram os efeitos da destrutividade na perspectiva infantil e tiraram do choque lições de fábula.

    "O Diário da Esperança", do húngaro Jánoz Szász, retoma a tradição com irmãos gêmeos buscando sobreviver ao término da ocupação nazista no fim da Segunda Guerra e à chegada das tropas soviéticas.

    Na passagem de um invasor a outro, mudam os idiomas, mas a brutalidade apenas troca de lado. Quando não se trata da violência militar, os garotos continuam submetidos à exploração da avó, mulher sem modos e intolerante que os escraviza.

    Cada experiência é registrada num diário, no qual os garotos escrevem o que testemunham e o que sonham, a realidade sem retoques e sua transfiguração.
    despojamento

    O filme baseia-se no primeiro volume da "Trilogia dos Gêmeos", de autoria da escritora húngara Ágota Kristóf. Livro e filme enfatizam o processo da escrita como uma combinação do esforço de sobrevivência com a ação de resistência.

    Na obra, Kristóf retoma os moldes do "romance de formação" com uma versão alterada em que a violência e a crueldade deformam a lição moral predominante no modelo original.

    O estilo seco e frio da escritora influencia o tratamento pouco emotivo que o Szász injeta no filme.

    No lugar do sentimentalismo que abunda nos filmes com crianças em meio a tragédias, "O Diário da Esperança" prioriza o despojamento, mesmo quando os personagens vivenciam ou testemunham situações de choque.

    O efeito é como se a brutalidade os anestesiasse aos poucos e, assim, a infância deixasse de ser uma etapa de inocência e revelasse um mundo adulto desiludido e pessimista.

    Essa percepção é valorizada pelo trabalho de imagem a cargo de Christian Berger, renomado diretor de fotografia dos filmes de Michael Haneke. Berger recria a degradação em tons sujos e apagados e evita a contradição de procurar a beleza visual onde predomina o horror.

    O maior trunfo de "O Diário da Esperança", contudo, está nos atores gêmeos László e András Gyémánt, que emprestam autenticidade à dupla central de personagens, projetam sofrimento e crueldade em iguais medidas e impedem que a história naufrague no sentimentalismo.

    O DIÁRIO DA ESPERANÇA
    DIREÇÃO: JÁNOZ SZÁSZ
    ELENCO: LÁSZLÓ E ANDRÁS GYÉMÁN
    PRODUÇÃO: HUNGRIA/ALEMANHA/ÁUSTRIA/FRANÇA, 2013, 14 ANOS
    QUANDO: EM CARTAZ

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