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    Romance de ex-menino soldado mostra Serra Leoa após guerra civil

    ANGELA BOLDRINI
    DE SÃO PAULO

    18/04/2015 02h10

    "Quando as pessoas vão para a guerra, se tem a ideia de que elas não aprendem nada, que só há trauma," diz o escritor Ishmael Beah, 34. "Mas sobreviver a uma guerra, principalmente sendo jovem, pode ensinar muitas coisas."

    Em janeiro de 2002, chegou ao fim a guerra civil que assolava Serra Leoa, pequeno país na África Ocidental, desde 1991, resultando na morte de mais de 70 mil pessoas e no deslocamento forçado de mais de 2,6 milhões, segundo relatório das Nações Unidas.

    Com o fim do conflito, os refugiados retornam às suas aldeias, ou ao que restou delas após os embates, para recomeçarem suas vidas.

    Keith Beaty/Getty Images
    O escritor serra-leonês Ishmael Beah
    O escritor serra-leonês Ishmael Beah

    É nesse cenário de reconstrução nacional que se passa o romance "O Brilho do Amanhã", do serra-leonês Beah, lançado em fevereiro no Brasil pela Companhia das Letras.

    É a primeira incursão do autor pela ficção –seu outro livro, o best-seller "Muito Longe de Casa", de 2007, também lançado no Brasil neste ano, conta suas memórias sobre o tempo que serviu como menino soldado, no exército de Serra Leoa, aos 13 anos.

    Ele conta que a ideia para escrever o romance surgiu enquanto viajava pelo país natal para escrever suas memórias –resgatado pela Unicef em 1997, Beah passou a morar nos Estados Unidos, até se mudar para a Mauritânia, no Norte da África, onde vive atualmente.

    "Passei a observar as pessoas voltando e me peguei questionando: quando você vai embora, como você volta? Como viver ao lado do seu vizinho, sabendo que lutaram em lados opostos da guerra?"

    As perguntas de Beah se materializam nos habitantes do vilarejo fictício de Imperi, que começa a se reconstruir.

    "Na mídia, principalmente na América do Norte, quando se fala em guerra, sempre querem saber quem são os 'caras do bem' e os 'caras do mal'," afirma o escritor. "Isso não existe. Pessoas boas podem ser muito más na guerra e vice-versa. As pessoas não percebem a complexidade dos conflitos."

    MENINOS SOLDADOS

    Segundo o autor, é nessa linha entre o "bem" e o "mal" que estão os jovens que, como ele, foram usados nos combates.

    O Brilho do Amanhã
    Ishmael Beah
    livro
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    No romance, se materializam no Coronel, jovem de 18 anos que retorna a Imperi e toma para si o papel de seu defensor, e em Ernest, conhecido entre os rebeldes como "Sargento Cutelo", que chega ao vilarejo para tentar se redimir perante a família cujos braços amputou.

    "Nosso sistema jurídico diz que simplesmente por ter 18 anos você tem de saber distinguir o certo do errado," diz Beah. "Mas se você é recrutado para a guerra aos sete anos, como espera-se que aos 20 vá saber alguma coisa?"

    Lançado em 2014, o livro não aborda a epidemia do vírus Ebola, que assolou o país em 2014, matando mais de 3.000 pessoas.

    "A segunda reconstrução é sempre mais difícil do que a primeira," diz. "Há um sentimento de 'o que vai ser agora?' e até a esperança fica exausta, mas acho que é só uma questão de tempo."

    O BRILHO DO AMANHÃ
    AUTOR Ishmael Beah
    TRADUÇÃO George Schlesinger
    EDITORA Companhia das Letras
    QUANTO R$ 39,90 (280 págs.)

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