• Ilustrada

    Saturday, 04-May-2024 21:23:15 -03

    Artista belga explora odores em instalações

    DOUGLAS QUENQUA
    DO "NEW YORK TIMES"

    18/04/2015 03h07

    Não havia muito para ver na escultura "Tree Virus", de Peter De Cupere: uma árvore escura e morta, com as raízes fincadas em uma esfera branca irregular, suspensa sobre uma fossa com terra, e todo o conjunto coberto por um iglu de plástico.

    Erguida em 2008 num campus universitário na Holanda, a coisa toda poderia passar por sobras da cenografia de um filme de Tim Burton, não fosse por seu cheiro nauseabundo.

    Dentro do iglu, uma estonteante mistura de hortelã e pimenta do reino saturava o ar. O cheiro inundava as narinas e deixava os olhos ardendo. A maioria dos visitantes chorava. Muitos fugiam. Outros pareciam se divertir, rindo em meio às lágrimas.

    Esse é o estranho poder da arte olfativa. "Quando você entra numa instalação com cheiro, não tem como se esconder. Seu corpo começa a reagir", disse De Cupere, artista belga que há quase 20 anos usa os cheiros para desencadear reações viscerais. "Quero que as pessoas também sintam como a obra pode impactar."

    A arte de De Cupere fede -a esgoto, suor, peixe podre, cigarros ou odorizador de mictório. Mas também cheira a grama, creme dental, doces, flores e sabão.

    Todos esses aromas já apareceram com destaque nas instalações, pinturas, perfumes, performances e até mesmo num aplicativo de iPad criado por esse provocador. Ele é apenas um dos vários artistas contemporâneos que usam os cheiros.

    De Cupere, 44, recorre a aromas que são ao mesmo tempo familiares e deslocados -como uma paisagem urbana esculpida em sabão, ou um posto de gasolina com bombas que exalam cheiro de grama. Deseja assim fazer um comentário sobre o ambiente, a beleza e o clima, além de interagir com as memórias das pessoas.

    "Com o odor, posso fazer uma obra universal, que todos consigam entender, mas ainda haverá um aspecto pessoal", afirmou. "É mais íntimo e subjetivo do que ver. Isso dá outra dimensão à obra."

    De Cupere descobriu precocemente o poder dos cheiros. Aos 9 anos, destilou a grama do quintal da sua casa para produzir um perfume e viu que o resultado melhorava o humor de pessoas no ônibus. "São 7h da manhã, todos estão cansados, mas você entra no ônibus com esse cheiro de grama recém-cortada, e as pessoas começam a sorrir", contou.

    Embora haja algo de nojento em seu trabalho -no ano passado, por exemplo, ele destilou seus fluidos corporais para produzir um perfume que batizou de "Own Smell", ou "cheiro próprio"-, De Cupere tem um lado brincalhão.

    Em 1999, ele instalou 333 narizes de palhaço, feitos de bronze, numa clínica oncológica infantil em Bruxelas, por onde em seguida espalhou o aroma de Fruitella, uma bala popular na Europa.

    Em parceria com a fábrica de baralhos Cartamundi, da Bélgica, ele produziu o Olfacio, descrito como o primeiro aplicativo de reconhecimento de cheiros para iPad. Nele, um desenho de De Cupere parece reagir quando cartões raspáveis e aromatizados são colocados sobre a tela. Na verdade, a tela reage a uma tinta especial nos cartões.

    Habitualmente, ele usa o cheiro para provocar. Já produziu imagens da Virgem Maria com odorizadores de mictório, água benta e secreções vaginais. E "Warflower", em exposição no Instituto Courtauld de Arte, em Londres, é uma planta grotesca, com cheiro de pólvora, crescendo num capacete militar.

    [an error occurred while processing this directive]

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024