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    Edição colaborativa da Wikipédia é marcada por disputas e negociações

    DHIEGO MAIA
    GALENO LIMA
    DE SÃO PAULO

    24/04/2015 02h00

    Como fazer juntos? No caso da Wikipédia, enciclopédia on-line e maior exemplo de trabalho colaborativo, a resposta é esta: com disputa, negociação e pouco consenso.

    O resultado desse esforço, hoje, são 35 milhões de artigos em 288 línguas. Sob a patrulha de 53 milhões de usuários, cada verbete publicado cai no banco dos réus. Só sai de lá após ter dados padronizados e erros sanados.

    Sanar equívocos é um processo lento. Aconteceu com o nome de batismo da top model Gisele Bündchen –e o erro é reproduzido até hoje, embora tenha sido corrigido na fonte. É que um usuário da Wikipédia incluiu o sobrenome "Nonnenmacher" na biografia da modelo, no dia 1º de abril de 2006. "Devo ter visto em algum jornal ou site o sobrenome da mãe dela e supus, incorretamente, que ela também o possuísse", escreveu 'Dantadd' (apelido virtual) à Folha, sem se identificar.

    Patrícia, irmã de Gisele, tentou desfazer o erro na própria enciclopédia, sem sucesso. Ela contou que a correção só foi feita dois anos depois, após um pedido de alteração do verbete e um post no site oficial da modelo.

    Tudo na Wikipédia envolve discussão. A disputa principal se dá entre "delecionistas" e "inclusionistas". Os primeiros são editores que pregam a exclusão de artigos considerados triviais. Os outros defendem o espaço também para temas menos importantes. Vence o argumento com mais votos.

    Quando não deletado, um verbete entra numa guerra de edições. Na versão em português, o artigo que sofreu mais intervenções foi o do Club de Regatas Vasco da Gama: 9.748 modificações. Paixão, sacanagem da torcida adversária e militância futebolística devem explicar o recorde.

    "A Wikipédia é um coletivo negociando o tempo todo sua narrativa. É falsa a ideia de que a cooperação agrega iguais", diz Beatriz Martins, especialista da Fiocruz em autoria em rede.

    A gestão do que fica ou é removido é feita por uma casta editorial, à qual se chega por mérito. No topo, está o administrador, que, entre outros poderes, barra vandalismos em artigos de figuras públicas.

    "A Wikipédia é um microcosmo que reflete as tensões do mundo real. Definir o que é enciclopédico é como nomear um ornitorrinco, ninguém sabe", diz o brasileiro Célio Costa Filho, um dos 4.048 administradores.

    A enciclopédia não esconde a tensão. Com humor, pede aos experientes para "não morder os mais novos" em um 'wikidrama' (discussão).

    Fronteiras

    A "enciclopédia livre que todos podem editar", como diz o slogan, atraiu a aposentada Jurema Oliveira, 67, autora do primeiro verbete sobre candomblé em português.

    "Nas discussões, diziam que candomblé era seita e não deveria estar entre as religiões." O artigo ganhou adendos de pais de santo e sobrevive. Mas a aposentada continua brigando por ele. "É complicado. Não posso discutir com catedrático, não falo a língua dele."

    A pesquisadora em educação Bianca Santana frustrou -se ao tentar inserir a plataforma num curso de alfabetização de adultos na periferia de São Paulo. "A ideia de autoria em grupo atraiu a turma, mas o verbete sobre o projeto foi excluído, classificado de panfletário."

    "O que é marginalizado fora o é também no mundo virtual", diz Telma Jonhson, pesquisadora de novas tecnologias da Universidade Federal de Juiz de Fora.

    Segundo Oona Castro, 33, ex-representante nacional da Wikimedia Foundation (entidade que gere a enciclopédia), a falta de consenso emperrou projetos que aproximariam a Wikipédia de mais brasileiros. "Consenso não é unanimidade, mas é ceder, buscando negociação em torno de princípios básicos."

    O pesquisador de políticas públicas Pablo Ortellado diz que a Wikipédia é uma vítima do próprio êxito tentando preservar seu espírito. Não há paralelo, na vida real, para o efeito obtido até hoje com essa colaboração "parcelada", diz. "Quando partes divergentes têm um mínimo de tolerância, dá para produzir resultados de impacto."

    Se a Wikipédia é um laboratório da democracia, precisa avançar mais no experimento da convivência, crê a pesquisadora Beatriz Martins. A ferramenta deveria dar uma visão mais ampla de temas controversos. "Seria como a Faixa de Gaza vista por judeus e palestinos."

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