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    Documentos inéditos culpam governo espanhol por morte de García Lorca

    DE SÃO PAULO

    24/04/2015 11h59

    Pela primeira vez na história, vem a público um documento oficial que comprova a responsabilidade do governo espanhol no fuzilamento do poeta Federico García Lorca pelas forças antirrepublicanas durante a Guerra Civil Espanhola.

    Obtidos pela emissora Cadena SER e divulgados na última quarta-feira (22), um registro policial e cartas de ministros revelam que o Lorca foi preso e assassinado por motivos políticos.

    Em entrevista ao jornal "El País" a sobrinha do poeta, Laura García Lorca, afirmou a importância histórica desses documentos, que encerrariam as diferentes versões que circularam ao longo das últimas oito décadas sobre o fuzilamento do escritor.

    Reprodução
    O poeta e dramaturgo Federico García Lorca [1898-1936] em retrato de 1931
    O poeta e dramaturgo Federico García Lorca [1898-1936] em retrato de 1931

    "A polícia reconhece o que já sabíamos: que foi um crime político porque o consideravam, nessa ordem, socialista, amigo de [líder socialista] Fernando de los Ríos, maçom e homossexual", disse Laura.

    O autor de "Bodas de Sangue" foi fuzilado aos 38 anos, em 19 de agosto de 1936 – um mês após o início da Guerra Civil Espanhola. Seus restos mortais jamais foram encontrados.

    Os documentos revelados agora são de 9 de julho de 1965 – 29 anos depois, portanto, da morte de García Lorca. Na época, a ditadura franquista havia pedido a informação à polícia a pedido de Marcelle Auclair, uma hispanista francesa que trabalhava em uma biografia sobre o escritor.

    A informação, no entanto, acabou sendo censurada pelo regime, como comprova a correspondência entre ministros espanhóis também encontrada agora.

    O que a ditadura franquista, que governou a Espanha de 1939 a 1976, quis esconder é um relatório escrito à máquina por um policial da 3ª Brigada Regional de Investigação Social de Granada. O texto não deixa dúvidas de que a ordem de prisão do poeta – identificado como "socialista pela tendência de suas manifestações" – foi um pedido do governo.

    "No quartel da Falange, instalado na rua San Jeronimo, se encontravam o chefe do batalhão don Miguel Rosales Camacho quando nele se apresentaram o deputado obrerista pela CEDA, don Ramón Ruiz Alonso, don Juan Trescastro, don Federico Martín Lagos e outra pessoa que não foi possível identificar, com uma ordem de detenção emitida pelo Governo Civil contra FEDERICO GARCÍA LORCA".

    No parágrafo seguinte, o documento descreve o que aconteceu com Federico García Lorca depois de ter sido detido em uma operação que envolveu, segundo o documento, soldados das Guardias de Asalto (as forças de segurança do regime franquista).

    O poeta foi levado aos "calabouços [da sede do] Governo Civil" de Granada, cidade onde nasceu e viveu durante toda a vida. Mais adiante, o registro diz que ele foi retirado do local e conduzido a Viznar, onde foi fuzilado depois de "confessar".

    BRUMAS

    Ao "El País", José Luis Ledesma, professor de história contemporânea da Universidade de Zaragoza, comentou que a revelação desses documentos é algo sem precedentes. Ele também destaca o caráter confidencial do arquivo, que reconhece abertamente o que já era sabido – embora jamais confirmado – por pesquisadores de Lorca e da Guerra Civil Espanhola.

    "Publicamente, até onde sei, nunca aceitaram que a morte do Lorca procedesse de uma ordem superior. Sempre aludiam a disputas fora de controle, cercando-a de brumas", disse Ledesma.

    Os registros divulgados nesta semana não são os únicos sobre a morte de Lorca, diz o hispanista Ian Gibson, autor de "Federico García Lorca: A Biografia" (Biblioteca Azul, R$ 69,90, 718 págs.). Mas são os primeiros oficiais.

    "Dá a ideia, ademais, do problema que a morte de Lorca representa para o regime desde o momento em que [o fuzilamento] acontece. Se o informe policial tivesse sido divulgado na época, colocaria em evidência que o que tinham afirmado até então era falso", comentou Gibson ao "El País".

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