• Ilustrada

    Tuesday, 07-May-2024 05:23:53 -03

    Detroit exibe obras dolorosas de Frida Kahlo e Diego Rivera

    FABRIZIO CONSTANTINI
    DO "NEW YORK TIMES"

    25/04/2015 02h20

    Ocupando várias galerias do Instituto de Artes de Detroit, é também uma celebração da independência que o museu, numa cidade em dificuldades, conquistou arduamente após quase fechar.

    A abertura da exposição ocorre após um tenso período de 20 meses em que a prefeitura, à época dona do valioso acervo do museu e quase falida, cogitou vender suas obras-primas.

    Um acordo pelo qual o espaço se comprometeu a dar US$ 100 milhões em 20 anos para o sistema previdenciário municipal transferiu a propriedade do acervo da prefeitura para o museu.

    A exposição Rivera-Kahlo revisita a criação de uma obra de arte feita em Detroit para Detroit. "A Indústria de Detroit" foi concebida como uma ode à cidade do Estado do Michigan em 27 afrescos.

    Eles compuseram o projeto que trouxe Diego Rivera, o mais conhecido dos muralistas mexicanos, a Detroit em abril de 1932, acompanhado da sua mulher, a também artista Frida Kahlo, bem mais jovem que ele.

    Ao longo dos 11 meses seguintes, Rivera pintou os afrescos que cobrem as quatro paredes do pátio interno do museu, hoje conhecido como Pátio Rivera.

    Mostra cenas heroicas de trabalhadores musculosos e mães-terra mais idealizadas ainda, carregando feixes de trigo ou braçadas de frutas.

    Os afrescos compõem uma expressão "in-situ" excepcionalmente explícita do vínculo recíproco entre um museu de arte e seu entorno urbano, e Rivera os considerava um dos pontos altos da sua carreira.

    O período que Frida passou em Detroit foi talvez ainda mais importante, mesmo que ela não tenha gostado dessa estada.

    Quando chegou, estava bem avançada no processo de amadurecer sua síntese entre as influências da arte folclórica mexicana e o surrealismo.

    Mas, em muitos aspectos, o aborto espontâneo que ela sofreu enquanto estava na cidade estimulou a forma lancinante de autorrepresentação que é a sua contribuição para a história da arte.

    O aborto foi o segundo trauma físico de uma vida sofrida e intensamente criativa. O primeiro foi o grave acidente de trânsito de 1925 na Cidade do México, que a deixou com dores pelo resto da vida.

    A exposição está repleta de empréstimos importantes, obras raramente vistas e surpresas. Contém quatro dos imensos desenhos a carvão, em tamanho real, que Rivera fez para cada mural.

    Também ali: quatro das cinco pinturas que Frida produziu na cidade, começando com "Hospital Henry Ford" (1932), sua recriação do aborto, mostrando-se nua sobre uma cama ensanguentada, em meio a uma paisagem árida e com a fábrica da Ford no rio Rouge reluzindo à distância.

    E há três pequenos e soberbos desenhos de Frida no método "cadáver esquisito" quando ela escapou de Detroit para ir a Nova York.

    Os afrescos retratam os altos-fornos e linhas de montagem da Ford, cientistas em seus laboratórios na Parke-Davis (futura Pfizer) e trabalhadores entrando e saindo de fábricas.

    A natureza é evocada não só pelos nus femininos robustos, mas também pelos estratos geológicos que mostram a formação do minério de ferro e, em um dos melhores painéis pequenos, como pedaços escuros de doenças que destroem células vivas crepusculares.

    Rivera representa um navio-tanque que traz borracha da América do Sul como se fosse um relevo de bronze.

    As expressões mais notáveis do instinto subversivo de Rivera talvez estejam nos painéis estreitos no pátio. Cada um possui duas grandes figuras; os quatro lados representam o que Rivera via como as quatro raças do mundo.

    Entre cada par se ergue um montículo irregular de terra vermelha, do qual se projetam mãos firmes, de várias cores. Muitos seguram torrões de terra ou rochas, sugerindo uma multidão enfurecida abrindo caminho até a superfície.

    O desenvolvimento de Kahlo é uma vívida atração paralela, mas com igual peso. Sua obra é tudo o que a arte de Rivera não é: pequena em tamanho e embebida em emoções pessoais e tormentos existenciais.

    Se os afrescos de Rivera são como uma catedral, as pequenas pinturas de Kahlo são retábulos portáteis para a devoção particular, um ponto alto do surrealismo que ainda nos toca.

    Previsivelmente, entre os objetos de época reproduzidos aqui há um artigo sobre Kahlo publicado no "The Detroit News", em que ela dizia sobre o marido: "Claro, para um menininho ele se sai bastante bem, mas eu é que sou a grande artista".

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024