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    crítica

    Zweig cria retrato melancólico de um mundo que se perdeu

    MARCELO BACKES
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    25/04/2015 02h15

    "Autobiografia: o Mundo de Ontem", do austríaco Stefan Zweig (1881-1942), é um livro instrutivo.

    O autor descortina sua vida desde a infância, fala da época áurea anterior à Primeira Guerra e, num capítulo cinematográfico, descreve a pujança pacífica do verão que precedeu o colapso depois do qual a Áustria, outrora potente e ora destruída, seria forçada a uma autonomia que ela própria recusava.

    Conta dos encontros com Rilke em Paris, Joyce em Zurique, Górki em Sorrento, o ancião Freud em Londres. O túmulo de Tolstói na Rússia é descrito poeticamente, assim como a crença do povo russo no ideal coletivo.

    Suse Hoeller/Divulgação
    Stefan Zweig em Ossinig, perto de Nova York, onde preparou grande parte da autobiografia
    Stefan Zweig em Ossinig, perto de Nova York, onde preparou grande parte da autobiografia

    Zweig fala de uma carta pessoal a Mussolini para reivindicar melhor destino a um desconhecido e da sensação de morar diante de Hitler em Salzburgo. Sua autobiografia faz pensar que esteve presente em todos os lugares em que a história aconteceu na primeira metade do século 20.

    Zweig publicou poesia desde os 16 anos e se posicionou contra a Primeira Guerra ajudado pela amizade com o pacifista Romain Rolland. Rico, conheceu Europa, Índia, África, EUA e a União Soviética.

    Em 1934, depois de ter sua casa invadida pela polícia nazista, fugiu a Londres, seguindo em 1940 ao Brasil.

    Se o livro "Brasil, um País do Futuro" (1941) é um retrato ufanista da terra idílica que o recebeu, o Rio ainda é chamado de a mais linda cidade do mundo na autobiografia, concluída às vésperas do suicídio.

    Zweig era um dos autores mais lidos da língua alemã e o flerte com o sucesso é descrito para reforçar o tamanho da queda, depois de seus livros terem sido queimados e proibidos inclusive na Áustria.

    Autobiografia: O Mundo de Ontem
    Stefan Zweig
    livro
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    Zweig conta de seus grandes encontros com Theodor Herzl, pai do Estado judeu, e do entusiasmo com uma Viena que Karl Kraus já criticava nas páginas de seu jornal "Die Fackel" (a tocha). Kraus, aliás, é citado uma única vez; Musil, nenhuma. O livro é mais o retrato de um mundo que se perdeu do que um mergulho nas mazelas de si mesmo.

    Partindo de um presente de reflexão, em busca de um passado de andanças, Zweig assume a postura do melancólico, apesar de uma constante crença no progresso, visível em frases ingênuas como: "Os dias importantes da vida têm em si um brilho maior que os dias comuns".

    Mas o final do livro é soturno: "Só quem conheceu claridade e trevas, guerra e paz, ascensão e decadência viveu de fato". E o prólogo já assinalava a tragédia ao dizer que pretendia fornecer ao menos um reflexo de sua vida "antes que ela submerja nas trevas".

    AUTOBIOGRAFIA: O MUNDO DE ONTEM
    AUTOR Stefan Zweig
    TRADUÇÃO Kristina Michahelles
    EDITORA Zahar
    QUANTO R$ 59,90 (400 págs.)
    AVALIAÇÃO bom

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