Chega ao Brasil "As Raízes do Romantismo", espantoso livro de Isaiah Berlin, editado pelo Três Estrelas, selo editorial do Grupo Folha. O momento exige um festejo –e uma memória: a tarde em que, chegado a Oxford para pesquisas de doutorado, caminhei até ao Wolfson College para conhecer Henry Hardy, o editor das obras de Berlin.
O encontro era inevitável: a minha tese era sobre Berlin (1909-1997) "lui même" e Hardy, que seria o meu Virgílio durante a estada oxoniana, passara as últimas décadas de vida a resgatar do esquecimento os inéditos que ninguém acreditava que existiam. ("O nosso Isaiah é como Sócrates", diziam jocosamente os amigos. "Conversa muito e não escreve nada.")
O encontro foi agradável: falou-se do homem e da obra. E falou-se sobre a importância do romantismo no pensamento político de Berlin. O romantismo era um assunto tão importante para ele que todo mundo esperava uma obra definitiva sobre o assunto.
Essa obra nunca chegou. O mais próximo que Berlin esteve desse projeto foi com "Political Ideas in the Romantic Age" (publicado em 2006) e com "As Raízes do Romantismo", conjunto de palestras proferidas em Washington em 1965. Entre elas, meu coração não tem dúvidas: "As Raízes do Romantismo", pela elegância e concisão, levam a copa.
Reprodução | ||
O escritor e ensaísta Isaiah Berlin |
E levam a copa porque Berlin conseguiu o que pretendia: não apenas uma interpretação sobre as múltiplas interpretações que já se fizeram sobre o movimento romântico (e as primeiras páginas do livro são um verdadeiro espectáculo de erudição).
Mas porque Berlin pretende mostrar como o romantismo, apesar da sua heterodoxia, forjou o mundo moderno –para o melhor e para o pior.
No lado solar, o romantismo foi fulcral na sua oposição ao racionalismo iluminista, ou seja, como resposta à velha atitude monista de que todos os problemas humanos têm uma única solução à espera.
As Raízes do Romantismo |
Isaiah Berlin |
Comprar |
O romantismo opõe-se à geometria dos "philosophes" pela reafirmação da verdade pluralista –a ideia de que existem valores e fins de vida diversos que os homens procuram e, mais ainda, são capazes de criar.
E de que forma é isso possível? Através de um conjunto de virtudes que seriam tão valiosas no século 18 como no século 21. Quando valorizamos conceitos como "originalidade", "autenticidade" ou "inconformismo", é dos românticos e da sua herança que falamos.
Mas o romantismo não deixou apenas esse grito libertador contra as grilhetas racionalistas da "philosophia perennis" que dominara o Ocidente durante mais de dois milênios.
No culto de uma interioridade existencial, reforçado depois da derrota das províncias germânicas face aos Exércitos de Napoleão, a revalorização de uma língua, de uma cultura, de uma "nação" seriam igualmente usadas e abusadas por demagogos diversos que fizeram do nacionalismo extremo uma "doutrina armada". As ruínas do século 20 também têm a impressão digital desse "romantismo irracionalista".
Não admira por isso que, na atitude ambígua de admiração/temor que Berlin sempre mostrou em relação à herança do romantismo, tenha ficado para a história a observação do próprio de que gostava de passar o dia com os românticos –para regressar à noite ao conforto das Luzes.
Felizmente, ler "As Raízes do Romantismo" é prazer intelectual garantido a qualquer hora do dia –ou da noite.