• Ilustrada

    Sunday, 28-Apr-2024 17:50:40 -03

    CRÍTICA

    Com 800 mil cópias vendidas, ficção cafona gira em círculos

    SANTIAGO NAZARIAN
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    02/05/2015 05h38

    "Esse aí deve ser uma maravilha", disse meu namorado ironicamente ao ver a edição de "O Voo da Libélula", enviada pela Folha, na minha mesa de trabalho.

    O título um tanto quanto cafona não ajuda (o original francês, "Un Avion Sans Elle", se traduz literalmente por "Um Avião Sem Ela"). A chamada de capa também já afasta qualquer pretensão literária: "Duas bebês, um trágico acidente de avião, só uma sobrevive. Qual delas?"

    Não se pode, no entanto, culpar a editora por vender o livro exatamente pelo que é: ficção cafona, barata e rasteira que justifica bem os "mais de 800 mil livros vendidos" (também com chamada na capa). É preciso avançar apenas algumas páginas para constatar de que tipo de romance se trata.

    Fica a dúvida se a narrativa será divertida e instigante o suficiente para merecer a denominação de "page turner", daquelas que não conseguimos parar de virar as páginas até saber o final.

    Infelizmente, "O Voo da Libélula" é moroso como mosca de padaria. Através de anotações de um detetive particular e ações acontecendo em tempo real durante a leitura dessas anotações, acompanha-se a história de "Lylie", a bebê sobrevivente de um acidente aéreo, que 18 anos depois ainda não têm certeza de sua identidade.

    Lylie pode ser "Émilie Vitral", órfã de uma família humilde, ou "Lyse-Rose", herdeira de ricos industriais.

    Sim, as 400 páginas do romance inteiro giram em torno dessa dúvida um tanto inverossímil. A partir daí pode se imaginar todos os desdobramentos novelescos: os ricos inescrupulosos tentando comprar a menina; a família humilde criando-a com dificuldades, mas com amor verdadeiro.

    Uma das questões centrais do romance, inclusive, é o amor incestuoso que o possível irmão Marc Vitral nutre pela jovem. É uma colagem de estereótipos, com personagens bidimensionais que parecem ser descritos de maneira apenas a facilitar a adaptação cinematográfica.

    O Voo da Libélula
    Michel Bussi
    livro
    Comprar

    O texto do detetive é tão policialesco que parece envergonhar até o autor, que se isenta, colocando personagens que criticam os recursos que ele mesmo se utiliza para manter o suspense.

    O que pode se dizer de positivo sobre o "Voo" de Michel Bussi é que ele é bem planejado, sem turbulências, decola e pousa onde se esperava.

    Afinal, acontece sempre em círculos, e a solução se torna bem previsível com uma área tão restrita para se manobrar.

    SANTIAGO NAZARIAN é escritor, autor de "Biofobia" (ed. Record), entre outros

    O VOO DA LIBÉLULA
    AUTOR: MICHEL BUSSI
    EDITORA: ARQUEIRO
    TRADUÇÃO FERNANDA ABREU
    QUANTO: R$ 24,99 (400 PÁGS.)

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024