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    Obras brasileiras na Bienal de Veneza corroem imagem de 'Brasil potência'

    SILAS MARTÍ
    ENVIADO ESPECIAL A VENEZA

    08/05/2015 02h20

    Na porta do pavilhão brasileiro na Bienal de Veneza, um par de tênis velhos está pendurado em uma haste como se fosse uma bandeira. Esse símbolo de um "trabalhador ordinário", nas palavras do autor da peça, André Komatsu, dá o tom das obras que estão na seleção oficial do país na mostra italiana.

    Escalando, além de Komatsu, Berna Reale e Antonio Manuel, o responsável pelo pavilhão nacional, Luiz Camillo Osorio, quer ver ruir a imagem de potência que o Brasil tenta plasmar no exterior desde que recebeu a Copa do Mundo e agora se prepara para a Olimpíada do Rio.

    Daí a escolha das manifestações que varreram o país em junho do ano retrasado como ponto de partida da mostra. Dos cartazes de rua para os Giardini em Veneza, a frase "É Tanta Coisa que Não Cabe Aqui" dá nome à atual representação brasileira.

    "Essa voz anônima, da rua, faz uma demanda democrática", diz Osorio. "Tem uma coisa de problematizar a representação do país, mas com uma materialidade urbana. É um Brasil que fica entre as formas geométricas do construtivismo e o tijolo, que é um material precário."

    No caso, os tijolos do trabalho de Manuel, que ocupa uma das salas do pavilhão com muros coloridos de alvenaria. Eles são construídos e esburacados depois pelo artista com uma marreta.

    Num gesto semelhante, Komatsu criou no espaço ao lado uma gaiola metálica coberta de plástico branco. É possível entrar na estrutura depois de passar por um corredor que vai se estreitando até o fim da sala, terminando numa abertura rasgada na pele de arame da escultura.

    "Esses buracos são abertos de forma estratégica", diz Manuel. "Tem um caráter marginal em quebrar o muro ou rasgar a grade e abrir."

    Outro trabalho de Manuel no pavilhão, um filme de 1975, também trata desse universo às margens da sociedade. "Semi Ótica" abre com a imagem de um casebre numa favela pintado com uma bandeira do país e segue com fotografias de jornal de bandidos torturados e mortos durante a ditadura.

    Numa leitura um tanto tétrica desse Brasil olímpico, Berna Reale mostra em Veneza uma performance em que aparece correndo com uma tocha pelo presídio de segurança máxima de Americano, nos arredores de Belém.

    "Quando se faz um grande evento, as autoridades empurram ainda mais os problemas para debaixo do tapete", afirma Berna Reale, artista que também trabalha como perita criminal.

    "No Brasil, a violência é alimentada pela corrupção. Ela também parte de dentro do poder."

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