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    Diretor de 'A Estrada 47' quis livrar FEB de aura maltrapilha ou heroica

    GUILHERME GENESTRETI
    DE SÃO PAULO

    10/05/2015 02h30

    Em 1944, em meio a um dos piores invernos registrados na Europa, uma trupe miscigenada de 25 mil brasileiros –boa parte jovem, pobre e mal agasalhada– foi empurrada para combater a máquina de guerra nazista encastelada em montanhas italianas.

    O filme "A Estrada 47", que estreou na quinta (7), busca desfazer a imagem maltrapilha de "incrível Exército de Brancaleone" que a Força Expedicionária Brasileira ganhou ao lutar na Segunda Guerra –cerca de 450 pracinhas morreram. "Mas sem ser ufanista, sem heroísmo", ressalva o diretor, Vicente Ferraz.

    O longa ganhou o prêmio principal no último Festival de Gramado, em agosto. Orçado em R$ 8 milhões —valor de uma produção média no país—, também recebeu investimentos de Portugal e da Itália, país em que foi filmado.

    "O Brasil não foi decisivo no conflito, mas aquelas pessoas viveram situações iguais às de quaisquer outros combatentes", diz Ferraz. "Imagine o que deve ter sido um soldado alemão, veteraníssimo, encontrando uma tropa brasileira, multirracial, vinda de um país que ele mal sabia onde ficava."

    A trama centra fogo num grupo heterogêneo de quatro soldados brasileiros que se separam do batalhão principal após um ataque de pânico coletivo. Para se redimir, eles resolvem livrar uma estrada apinhada de minas. São acompanhados por um jornalista, também vindo do Brasil.

    Daniel de Oliveira interpreta o soldado relutante Guima, que narra a perplexidade de ser um brasileiro lutando num país longínquo."Não conhecia muito a fundo a história do Brasil na guerra", conta o ator à Folha. "O Exército ganhou uma mancha por causa da ditadura militar, mas naquela época atuou no lado correto."

    A exaltação da participação brasileira na guerra pelo regime militar, aliás, foi uma questão delicada para o diretor.

    "Estudei na época da ditadura e era indignado", diz Ferraz, que cursou cinema em Cuba e dirigiu o documentário "Soy Cuba, o Mamute Siberiano" (2005). "Jurava que nunca faria nada sobre o Exército, mas este drama humano precisava ser contado."

    A atuação brasileira já foi tratada em documentários como "Rádio Auriverde" (1990), do catarinense Sylvio Back, mas numa visão "quase revanchista", segundo Ferraz.

    É também a história de como os brasileiros encararam o maior conflito do século 20, na opinião do diretor. Numa cena, um dos soldados (Thogun Teixeira) batuca um sambinha no tanque para animar um soldado alemão ferido.

    "O que se relata nos locais libertados pelos brasileiros é que eles foram solidários, que dividiam a comida naquele inverno com a população local."

    Foi uma participação tímida e "especialmente desacreditada", segundo Ferraz, que prepara uma série documental sobre os ex-combatentes.

    "Quando comparam os hinos das tropas dos Aliados, nota-se que todos são ufanistas, menos o do Brasil, que é quase brejeiro", diz o diretor. "Nele o soldado só pede é para retornar." Diz a letra: "Não permita Deus que eu morra/ Sem que volte para lá".

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