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    Estrondo do artista Chris Burden ainda ecoa na arte contemporânea

    SILAS MARTÍ
    DE SÃO PAULO

    12/05/2015 02h30

    Morto neste domingo (10), aos 69, o artista americano Chris Burden foi um dos nomes mais influentes na história da performance e uma das vozes mais potentes de sua geração.

    Em 1971, em plena Guerra do Vietnã, Burden realizou sua ação mais célebre. Numa galeria de arte, pediu que um amigo o alvejasse no braço com um rifle. A bala passou de raspão, mas Burden conta que caiu em depressão profunda depois do episódio e repensou suas estratégias.

    Essa ação documentada em vídeo –coisa de segundos–, também mudou o curso da performance no mundo.

    Chris Burden

    Junto de Marina Abramovic e Vito Acconci, Burden foi um dos pilares da fase heroica desse gênero artístico ancorado no espetáculo da dor como questionamento de uma obra de arte como mercadoria.

    Seu tiro no braço não podia ser vendido, mas o estrondo do disparo ecoa até hoje como influência entre artistas que trabalham com performance. Burden dizia que aquela ação radical era uma resposta à violência do conflito armado que se arrastava no Vietnã e vitimou milhões.

    De certa forma, ele também se colocou como vítima de seu trabalho, que em muitos casos pode ser entendido como um espelho de uma América pujante na superfície, mas corroída por uma falsa moral em suas entranhas.

    Burden, aliás, nunca se distanciou do vocabulário viril que marcou a arte americana da segunda metade do século passado, com materiais brutos, cargas pesadas e violência às vezes sugerida e às vezes explícita, como quando se crucificou na carroceria de um Fusca ou teve uma farpa metálica martelada em seu peito.

    Mas, ao contrário de outros nomes de sua geração, Burden soube parar quando a dor física deixou de ser eficaz na denúncia de uma sociedade corrompida. Do passado, ele extraiu só a crueza do metal e outros objetos de peso para construir obras monumentais como "Beam Drop", em que lançou vigas metálicas numa piscina de concreto molhado.

    Esse trabalho, realizado primeiro em Nova York nos anos 1980 e há seis anos no Instituto Inhotim, em Minas Gerais, sintetiza sua fase mais recente, em que joga com noções de movimento e inércia para atacar falsas utopias de uma arquitetura planejada.

    Outra de suas obras no Inhotim também se configura como um ultraje à arquitetura e ao mercado. Uma catraca colocada na entrada pressiona as paredes da galeria em direções opostas cada vez que um visitante passa por ela, contando os passos para que a estrutura toda venha abaixo.

    Há dois anos, o New Museum, em Nova York, fez uma ampla retrospectiva do artista, contrapondo suas performances viscerais a esculturas peso-pesado.

    Sua última obra, no entanto, uma peça ainda inédita, é um dirigível capaz de voar –uma homenagem a Santos Dumont e sinal de que no fim da vida Burden talvez estivesse pronto para encarar a leveza.

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