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    Filme 'A Gangue' tem elenco de surdos em trama de sexo e violência

    GUILHERME GENESTRETI
    DE SÃO PAULO

    15/05/2015 02h40

    O que o polêmico filme ucraniano "A Gangue" poupa em diálogos –o longa é inteiramente encenado em linguagem de sinais–, ele esbanja nas cenas de sexo e violência.

    Espancamentos, afogamentos, extorsões, uma longa cena de sexo oral mútuo e uma sequência de quase dez minutos –sem cortes– de um aborto recheiam o filme de estreia de Myroslav Slaboshpytskiy. Vencedor de três prêmios em Cannes no ano passado, a produção entrou em circuito no Brasil nesta quinta (14).

    Na história, um adolescente surdo (Grigoriy Fesenko) ingressa num internato para deficientes auditivos dominado por uma espécie de seita secreta de alunos que cometem crimes todas as noites: roubam incautos e prostituem garotas.

    "Não é um longa sobre ou para surdos", diz o diretor ucraniano à Folha. "Queria fazer um filme mudo, mas não por mero estilo. Queria um filme mudo moderno e realista."

    SEXO E SOCOS

    Antes de começar, um aviso surge na tela: "O filme não tem tradução nem legendas".

    De fato: são 130 minutos em que o espectador infere o que se passa pelo gestual dos atores, todos eles surdos.

    Não há trilha sonora e os planos são bem longos, o que incrementa a imersão na trama. Para a revista "The Hollywood Reporter", a experiência de ver o filme é como "assistir a um balé, mas com muito mais sexo e violência, e com garotas vestindo calças de piranha em vez de tutus."

    "A escolha do elenco foi a parte mais difícil", afirma Slaboshpytskiy. "A ideia de ensinar a linguagem de sinais a atores de verdade foi descartada logo de cara. A maneira plástica com que os surdos se comunicam influencia a performance mais do que se feita por um ator capaz de falar."

    O diretor levou um ano para escalar o elenco todo, tendo recrutado boa parte dos atores em redes sociais.

    Fesenko, que interpreta o protagonista –garoto introvertido que se corrompe para ser aceito pela gangue–, é descrito pelo diretor como "um menino comum", praticante de parkour que salta entre vagões de trens, escala telhados e que sonha em ser jogador de futebol profissional na liga ucraniana para surdos.

    Seu alvo amoroso no filme é uma aluna levada a se prostituir em uma parada de caminhoneiros interpretada por Yana Novikova. "Uma Audrey Hepburn bielorrussa" é como Slaboshpytskiy define a novata de 21 anos, loura esguia de beleza eslava que deixou a escola de construção de máquinas em que estudava em Belarus para atuar na Ucrânia.

    "É um filme sobre jovens. E jovens são capazes de ter sentimentos fortes e diretos, como amor, ódio, raiva e desespero: palavras não são necessárias para expressar ou para compreender essas emoções todas", afirma o cineasta.

    Slaboshpytskiy não considera "A Gangue" uma produção cheia de violência. "Há menos do que em alguns blockbusters. A diferença é que no meu filme ela parece realista. E violência real não entretém, ela é repugnante."

    Os personagens se batem como animais numa rinha. Transam de maneira robótica.

    "Pensar em sexo e em brigar por ter o seu lugar ao sol preenche 90% da vida de um adolescente", afirma. "É por isso que, para mim, as cenas de sexo e de violência se encaixam naturalmente na trama."

    'HINO da REVOLUÇÃO'

    O roteiro do filme foi escrito em 2011, dois anos antes de eclodir a crise política na Ucrânia e o posterior envio de tropas russas à Crimeia. Numa cena, uma professora do internato discute com os alunos o acordo de livre-comércio com a União Europeia que foi o estopim da convulsão.

    "Filmamos durante a Kiev revolucionária: em alguns dias não pudemos rodar porque a polícia bloqueava a cidade", diz. "Se há no filme antevisões da revolução? Não sei. Alguns críticos o consideram um hino revolucionário."

    A inspiração veio de tempos mais pregressos, segundo o diretor, que costurou sua breve experiência como repórter de polícia e seu próprio passado num internato ("com um sistema hierarquizado não oficial"). A escola que serve de locação é a mesma em que ele estudou.

    "De certa forma, é uma metáfora da Ucrânia, ao menos da Ucrânia pré-revolucionária, regida como uma máfia: com representantes de instituições se portando de forma oposta às suas funções."

    O diretor conta que não precisou aprender a linguagem ucraniana de sinais para o filme. "Os atores me ensinaram a xingar, o que pode ser muito útil durante as filmagens."

    A Gangue

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