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    CRÍTICA

    Longa 'Miss Julie', de Liv Ullman, constrói inferno suave

    INÁCIO ARAUJO
    CRÍTICO DA FOLHA

    21/05/2015 02h30

    "Miss Julie", adaptação de "Senhorita Julia", clássica peça teatral de Strindberg, divide-se em três momentos bem distintos. No primeiro, a ênfase fica com a oposição entre a nobre Julia e o criado John, na Irlanda do final do século 19 –a peça é deslocada para a Irlanda aparentemente por questões de produção.

    Na ausência do pai de Julie, o castelão, a moça empenha-se em fazer com que John rompa os códigos de convivência entre a aristocracia e a criadagem. É um pouco mais do que isso: trata-se de provocar John, levá-lo à exasperação.

    John responde instaurando o que se pode, não inapropriadamente, chamar de luta de classes: o oprimido suporta por algum tempo a opressão, depois rebela-se. Essa revolta o leva até onde Julie pretendia: à cama.

    No segundo movimento (ou ato), algo se transforma: passa-se à predominância dos aspectos psicológicos da questão. Rompida a barreira da intimidade, a classe social (e as obrigações decorrentes) passa a segundo plano: a ação dedica-se sobretudo à análise psicológica dos personagens.

    O desfecho, trágico, marca uma espécie de encontro entre essas duas instâncias, tratando dos gestos individuais que rompem as convenções do relacionamento de classes e suas decorrências.

    À parte o estranho fato de o filme não receber no Brasil o nome já consagrado da peça que adapta, é quase obrigatório acentuar o caráter de discípula de Ingmar Bergman que Liv Ullmann conserva como diretora. Atriz de Bergman em uma pancada de filmes (contei dez em sua filmografia), sua última direção, "Infiel", partia de um texto de Bergman.

    Desta vez ela própria adapta uma peça de Strindberg. É certo que Strindberg é um autor fundamental na formação de Bergman, mas também é fundamental para o teatro sueco. E Ullmann nos coloca diante de um inferno mais suave que o de Bergman, não pelo texto que encena, mas pela forma como o encena.

    RADICALIDADE

    Se Bergman sempre colocou o rosto humano no centro de suas preocupações, Liv não se afasta do procedimento de seu mestre. A audácia e a radicalidade de Bergman, porém, são substituídas na maior parte do tempo em Liv por uma estética convencional do campo/contracampo, desviando-se do belo prólogo (as imagens da jovem Julie no castelo e no campo adjacente).

    Como Bergman, ainda, Liv Ullmann dá mais atenção à interpretação feminina, de tal modo que Jessica Chastain, como Julie, destaca-se de maneira acentuada em relação a Colin Farrell, aqui numa interpretação bastante monocórdia de John.

    Miss Julie

    MISS JULIE
    DIREÇÃO Liv Ullmann
    ELENCO Jessica Chastain, Colin Farrell, Samantha Morton
    PRODUÇÃO EUA, 2014, 14 anos
    QUANDO estreia nesta quinta (21)
    AVALIAÇÃO regular

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