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    Criada há 15 anos, gravadora Daptone Records revigorou estilo nos EUA

    GIULIANA VALLONE
    DE NOVA YORK

    22/05/2015 02h30

    Não é por acaso que, ao se apresentarem juntos, os artistas da gravadora Daptone Records encerram os shows com um cover de "It's a Family Affair", canção de 1971 da banda Sly and the Family Stone. O selo pelo qual Sharon Jones e Charles Bradley lançaram seus álbuns é, de fato, um negócio de família.

    A gravadora foi criada por Gabe Roth, o baixista da banda de Jones, os Dap-Kings, e o saxofonista Neal Sugarman em 2001, e instalada em uma casa no Brooklyn, em Nova York –onde está até hoje. A ideia era simples: gravar os próprios álbuns, do jeito que bem entendessem.

    "Como não havia nenhuma gravadora com que quiséssemos assinar, decidimos fazer nós mesmos", conta Roth em entrevista à Folha.

    Mas, quase 15 anos depois de sua fundação, o negócio familiar cresceu –ao menos o suficiente para sustentar seus criadores. Focada na venda de vinis, a Daptone é considerada por muitos a responsável pelo revival da música soul nos EUA.

    "Revival é uma palavra engraçada. Tem gente que diz que a procura por nossos álbuns tem a ver com uma reação contrária à música eletrônica feita hoje, no universo pop. Mas eu não tenho certeza disso", diz Sugarman.

    "Do nosso ponto de vista, só estamos tentando fazer álbuns que amamos. E eu diria que somos sortudos de conseguir viver disso, porque nós provavelmente estaríamos fazendo isso de qualquer forma."

    O estilo da Daptone levou a comparações com a mítica gravadora Motown, especializada em música soul nas décadas de 1960 e 1970. Embora lisonjeado, Sugarman diz que os tempos são outros.

    "O modelo é similar, mas eu não compararia o que estamos fazendo com a Motown. Na época em que eles existiam havia muito mais oportunidades para ter hits tocando no rádio, por exemplo", afirma.

    Leia abaixo os principais trechos da entrevista com Gabe Roth, um dos donos da Daptone e baixista dos Dap-Kings:

    Folha - Por que você e o Neal [Sugarman] criaram a Daptone?

    Gabe Roth - Começamos como músicos, queríamos fazer os álbuns que gostaríamos de ouvir e precisávamos de um selo que os mantivesse no contexto certo e desse à música e aos músicos o respeito que eles merecem. Como não havia nenhuma gravadora com que quiséssemos assinar, então decidimos fazer nós mesmos.

    E qual foi o primeiro artista com que a Daptone assinou?

    Demoramos bastante para assinar com um artista. Nós nos juntávamos com os nossos amigos e fazíamos discos, todas as bandas eram basicamente uma encarnação diferente de uma família, as nossas bandas. Sugarman 3 era a banda do Neal, e Sharon Jones e os Dap-Kings era a minha banda. A Budos Band foi a primeira banda com que assinamos, mas eles também eram meio da família, fãs que começaram a tocar com a gente. Sempre foi um caso de família.

    Quantas pessoas tem a equipe da Daptone hoje?
    Funcionários em tempo integral, quatro. Nós temos uma equipe bem pequena e insistimos em fazer tudo nós mesmos: gravamos, mixamos, fazemos as capas e vendemos. Por causa disso, só podemos fazer poucos álbuns por ano: às vezes três ou quatro, mas geralmente dois. É preciso ter paciência.

    Vocês produzem todos os álbuns em vinis, na era do MP3. Mas também se beneficiaram de um movimento de volta deles nos últimos anos, não?

    Eu não acho que nos aproveitamos do movimento, acho que somos parte dele. Para mim, o crescimento do vinil é bastante natural, porque os CDs estão morrendo. Há pessoas que têm uma relação superficial com a música, e para elas é suficiente ter canções em MP3, com som horrível, nos seus relógios ou celulares, entre outras 80 mil.

    Outras pessoas têm uma relação mais física com a música, e elas não estão prontas para abrir mão disso para ter um arquivo. Querem ter uma relação mais íntima, olhar a foto, ter algo que podem colocar na prateleira. E essas pessoas, uma vez que largaram os CDs, estão voltando aos vinis.

    O que você acha dos serviços de streaming de música, como o Spotify?

    A qualidade do MP3 é horrível e, para mim, a ideia de que as pessoas ouvem música com qualidade cada vez pior é uma loucura. Nos anos 1960, 1970, as pessoas tinham alto falantes, sistemas de som, e desde então só foi ficando pior –e isso não faz sentido nenhum. Todos têm acesso a milhares de canções, e isso é um jeito estúpido e ridículo de valorizar a música.

    E do lado do negócio, o modelo do Spotify é horrível: a ideia de que você pode ouvir qualquer musica, a qualquer hora, por US$ 7 por mês, e não há espaço para pagar os artistas. Eu não acho que as pessoas deveriam poder ouvir o que quiserem por US$ 7 por mês. A TV a cabo [nos EUA] custa US$ 200 e você não pode escolher o que está assistindo.

    E o Tidal, lançado agora pelo Jay-Z, que quer pagar mais aos artistas?

    Eu não sei o que o Jay-Z está fazendo, porque não presto atenção nisso. Mas se ele está dizendo que o que o Spotify paga não é o suficiente, e que os artistas precisam de mais dinheiro, estou com ele nessa. Não que o Jay-Z, pessoalmente, precise de mais dinheiro, mas a ideia de que ele pode fazer a diferença nisso é boa, porque muitos artistas não têm esse espaço.

    Mas as músicas da Daptone estão disponíveis nesses serviços de streaming, certo?

    Sim. E isso foi um grande debate entre nós. Eu sou contra, mas o Neal [Sugarman] achou que era inevitável. Para ele, se você não está nessas plataformas, está perdendo um monte de gente que só ouve música desse jeito.

    Você já disse que esse não é o foco, mas vocês estão ganhando dinheiro com a Daptone?

    Bom, nós ainda estamos operando, então estamos fazendo dinheiro suficiente. Tudo depende de como você olha a questão. Para nós, não é sobre o que precisamos fazer para continuar nos negócios. A questão é: nós sabemos o que vamos fazer, e se as pessoas quiserem comprar, nós vamos continuar funcionando. E se não quiserem comprar mais, vamos fechar as portas. Por enquanto, temos tido a sorte de as pessoas quererem nos apoiar.

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