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    CRÍTICA

    Coletânea de livros fica entre relativismo autoirônico e tiração de sarro

    MANUEL DA COSTA PINTO
    COLUNISTA DA FOLHA

    23/05/2015 02h30

    A primeira seção de "Tipologias Ficcionais e Linguísticas", de Marcio Aquiles, se intitula "Alegorias e Conceitos" e traz minicontos em que símbolos matemáticos e ideias abstratas ganham vida, numa espécie de antropomorfismo nonsense.

    Em "Logaritmos", por exemplo, o 11 sofre com sua condição de número primo, exilando-se do sistema decimal. E, em "Três Conceitos em Busca de um Axioma", Hybris, Anagnorisis e Peripeteia (elementos que perfazem a ação da tragédia grega) se tornam personagens de um típico ambiente "descolado": pedaladas, alimentação natural, cafungadas no banheiro e espiritualidade "soft".

    A seção seguinte traz "Personagens e Mitos" igualmente disparatados, mas com regras rígidas: a rotina do narcisista que manda mensagens a si mesmo; o Grupo com Dificuldades Cognitivas, cujos membros se entregam a discussões sobre temas desconexos enquanto planejam fundar uma companhia aérea e uma loja de cupcakes.

    O livro de Aquiles é um bestiário de personagens monomaníacos, compondo a fauna daquilo que poderíamos denominar "o pós-moderno".

    Tudo é um compósito de obsessões e acontecimentos fortuitos que definem a impossibilidade de definir vivências tão risíveis –e que ele expõe com exageração satírica.

    Não escapou ao autor que o parágrafo acima faz parte do mesmo contexto de rarefação da experiência e da tentativa de lhe atribuir sentido (mais uma frase risível...).

    Por isso, a terceira parte do livro, "Teoria Crítica", apresenta a origem dos textos que acabamos de ler: datiloscritos, encontrados por um aluno de teoria literária, cuja "fricção constante entre as linguagens vulgar e preciosista" convoca pomposas interpretações estruturalistas, marxistas, psicanalíticas etc.

    Ocorre que também esse capítulo faz parte de um conjunto de originais enviados ao autor, numa farsa bibliográfica que não acaba por aí: posfácio, notas do tradutor e do editor e uma assinatura final em anagrama ampliam o efeito da narrativa em abismo.

    Toda tentativa de interpretar o livro fica parecendo pastiche da "máquina tautológica" descrita num dos contos.

    Ele pode ser lido como suprassumo autoirônico do relativismo estético (outra frase ridícula...) ou simples tiração de sarro. Possivelmente os dois.

    TIPOLOGIAS FICCIONAIS E LINGUÍSTICAS
    AUTOR Marcio Aquiles
    EDITORA Giostri
    QUANTO R$ 30 (88 págs.)
    AVALIAÇÃO bom

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