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    'Orson Welles deixou o Brasil, mas o Brasil nunca o deixou', diz viúva

    RAQUEL COZER
    COLUNISTA DA FOLHA

    23/05/2015 22h41

    Com os cabelos negros puxados para trás numa presilha e as bochechas rosadas, segurando uma garrafinha com canudo, Oja Kodar, 74, última namorada de Orson Welles (1915-1985), chegou ao Cine Caixa Belas Artes, na noite deste sábado (23), esclarecendo que estava febril.

    "Estou meio ruborizada e tossindo muito, mas juro que isto aqui [na garrafa] não é vinho, é água", disse a escultora, atriz e diretora croata, creditando o resfriado à combinação de água e vento que enfrentou ao visitar as cataratas do Iguaçu com uma sobrinha, dias antes.

    "Sempre disse que não acredito em reencarnação, mas que se existisse gostaria de nascer no Brasil numa próxima. Desta vez, achei que ia era morrer no Brasil", brincou a atriz, que foi companheira dos últimos 20 anos de vida do cineasta.

    No país para as comemorações em torno do centenário de Orson Welles, que ganhou retrospectiva com 12 filmes na sala paulistana, ela participou de bate-papo mediado pelo crítico da Folha Inácio Araujo após a exibição de "Verdades e Mentiras", no qual atua e cujo roteiro ajudou a criar.

    Na conversa, Oja contou como o filme, que seria um documentário de François Reichenbach sobre o falsificador de obras de arte Elmyr de Hory, acabou se tornando o misto de realidade e ficção dirigido por Welles.

    "François pediu a Orson que narrasse a história, e ele respondeu que não podia, porque toda vez que narrava algo as pessoas achavam que era mentira", contou Oja, numa referência à transmissão radiofônica que tornou Welles conhecido, "A Guerra dos Mundos" (1938), que causou pânico nos ouvintes com a notícia de que o mundo estava sendo invadido por marcianos.

    Welles, segundo Oja, fez uma contraproposta ao diretor francês: "Você se importaria se eu pegasse o material e transformasse numa coisa completamente diferente?".

    O resultado foi o filme exibido neste sábado, que conta as histórias do falsificador Elmyr e de seu biógrafo mescladas com a trama fictícia de uma relação entre Oja e o pintor Pablo Picasso.

    Segundo a croata, não foi uma boa experiência gravar as sequências de "girl watching" que abrem o longa –nas quais ela passa de minissaia enquanto vários homens, que não sabem que estão sendo filmados, a acompanham com o olhar– e aquelas em que seduz Picasso, passeando de biquíni e roupas quase transparentes.

    "Houve situações muito desagradáveis, como uma mulher me chamando de 'putana' numa rua de Roma. E também quando filmei as cenas vestindo um véu azul, praticamente nua, enquanto do outro lado da estação havia idosos, pessoas com muletas, mulheres com crianças de colo", lembrou.

    Antes de se despedir, Oja lembrou a relação de Welles com o Brasil –onde ele esteve em 1942, um ano depois de lançar "Cidadão Kane", filmando favelas do Rio para o documentário inacabado "It's All True".

    "Orson deixou o Brasil, mas o Brasil nunca o deixou. No fim da vida, quando ele já estava doente e não conseguia digitar tão bem, só com dois dedos, eu ia na casa dele ajudar e só de bater o olho eu falava: 'Hoje você não está bem'. E ele levantava e falava: 'Olha, estou ótimo, consigo até sambar."

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