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    Morre poeta argentino Manuel Graña Etcheverry, genro de Drummond

    DE SÃO PAULO

    27/05/2015 13h25

    Manuel Graña Etcheverry, poeta e tradutor argentino, morreu na madrugada desta quarta-feira (27), aos 99 anos, em Deán Funes, cidade do interior da Argentina onde morava. A causa da morte de Manolo, como gostava de ser chamado, foi insuficiência respiratória, desencadeada por uma infecção. Ele completaria cem anos em novembro.

    O poeta traduziu a obra de Carlos Drummond de Andrade para o espanhol. Casou-se com Maria Julieta, única filha do poeta itabirano, com quem teve três filhos – Carlos Manoel, Luís Maurício e Pedro Augusto.

    Arquivo Pessoal
    O poeta Manuel Graña Etcheverry (centro), com os filhos Luis Mauricio (esq.) e Pedro, em Itabira (MG)
    O poeta Manuel Graña Etcheverry (centro), com os filhos Luis Mauricio (esq.) e Pedro, em Itabira (MG)

    "Ouvi o Drummond dizer várias vezes que ele [Manolo] foi o melhor tradutor da obra dele para o espanhol", diz Edmílson Caminha, consultor da Fundação Carlos Drummond de Andrade.

    Manolo e Maria Julieta conheceram-se no Rio, nos anos 1940, e mudaram-se para Buenos Aires após o casamento. Inicialmente, Drummond resistiu ao pretendente de sua única filha, então com 21 anos, mas acabou concordando com o casamento dos dois. A filha confrontou o pai citando seus próprios versos: "Depressa, que o amor não pode esperar!".

    Em entrevista à Folha publicada em 2012, quando publicou-se a obra de Graña no Brasil pela primeira vez, a família contou que as maneiras do genro argentino mudaram o sogro. "Carlos acabou adotando o uísque das sete, um dos hábitos do papai", disse Luís Maurício Graña Drummond.

    Manolo também entrou para a história argentina para além do cânone literário. Orgulhava-se de ter sido o relator do projeto de lei que concedeu o voto feminino no país em 1947, quando foi deputado federal pela província de Córdoba durante o governo peronista.

    No Brasil, a principal obra do poeta, "Antologia Hede", saiu pela Companhia das Letras (R$ 37, 168 págs.) em 2012, em edição traduzida pelo próprio Manolo. Publicado originalmente em 1954, o livro versa sobre a cultura e os costumes de um povo primitivo, criado por Etcheverry.

    Leia o poema "Canto a Itabira" (trad. Edmílson Caminha), de Manuel Graña Etcheverry, dedicado à cidade de Drummond

    "Canto a Itabira"
    Deán Funes, Argentina, 16 e 17 de fevereiro de 2009

    Não sou itabirano,
    mas a Itabira me levam minhas lembranças,
    nome repleto em mim
    de nítidas imagens,
    ruas que sobem e brilham
    no ocaso,
    crateras dos montes feridos
    pelas minas de ferro,
    a negra locomotiva
    que arrastava o maior trem do mundo,
    e a estátua do Poeta
    que com o gesto está dizendo:
    " - É aqui.
    Aqui é Itabira".

    Aqui é Itabira,
    escondida entre montanhas
    provinciais
    carcomidas,
    cortadas por caminhões gigantescos
    repletos do pó arrebatado
    que pacientemente esperam
    a grande viagem
    que leva tuas entranhas pelo mundo
    com teu nome,
    o nome de Itabira.

    Um jardim de Itabira,
    lá na casa das trinta portas,
    tem uma estrela,
    e o grande jardim na praça
    tem flores
    que falam, estudam, namoram
    mulheres de beleza itabirana
    que tiram o sono
    de quem as veja
    "passear na avenida, pelas tardes".
    Pelas tardes itabiranas
    os suspiros e os beijos
    em um pico de amor
    de amor amando,
    amando-te,
    Itabira.

    Itabira:
    quero desentranhar teu nome,
    saber o que és,
    qual o teu encanto,
    qual o ímã que atrai
    e me adere a ti.
    Teu nome, um estampido,
    lançou no ar o mágico 7
    nas sete letras:
    o um varonil,
    O belo dois,
    somados dão a trindade,
    e fazem com o quatro figura perfeita,
    a perfeição em ti.
    Então te descubro,
    ita que quer dizer pedra,
    bira, erguida, altamente levantada,
    pedra dura, orgulhosa, de ferro,
    suave de coração
    para quem te conhece e te ama.
    Ao redobrar os tambores
    de um passado tumbaitá,
    aí estou eu
    entre danças, bailarinas,
    desejando
    que a lembrança não se dissipe,
    que não se apague o som escandido,
    que não me abandones,
    Itabira.

    Itabira:
    eu te canto
    com a voz que tenho,
    pouca para ti, mas que chegará
    ao teu coração generoso.
    Não é teu nome que não me abandona.
    És tu,
    completa entre montanhas feridas,
    erguida, levantada,
    endurecido o coração mineiro,
    ante feridas de mãos cobiçosas,
    abrandado na nostalgia
    de apenas um retrato na parede.

    Itabira,
    eu sou teu.
    Não é minha voz a voz de um poeta,
    mas te diz:
    eu te canto com a voz que tenho.
    Se teu nome ressoa
    pelos confins do mundo,
    faz-me chegar,
    ancoradas em meu ouvido,
    tuas sílabas sonoras
    as eufônicas letras
    do nome
    de
    Itabira.

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