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    Livro 'O Retrato' narra desilusão com o comunismo

    MAURICIO PULS
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    30/05/2015 02h30

    Publicado originalmente em 1960, "O Retrato", relançado agora pelo Três Estrelas, selo editorial do Grupo Folha, é um relato extraordinariamente vívido do rompimento do jornalista Osvaldo Peralva (1918-1992) com o PCB (Partido Comunista Brasileiro).

    Durante a crise provocada pela divulgação do informe sobre os crimes do regime stalinista, Peralva integrou a ala que defendia mudanças profundas no partido. Segundo o historiador Gustavo Falcón ("A Trajetória Política de Mário Alves"), ele fez a melhor exposição daquela conjuntura, "embora sua análise do problema não tenha levado sua corrente à vitória".

    Derrotado, Peralva deixou o PCB em maio de 1957 e tentou organizar uma nova legenda, mas concluiu que estava criando uma organização tão totalitária quanto a anterior, e recuou.

    Mas manteve suas convicções: "Penso que todos os povos do mundo chegarão ao socialismo". Preso em 1968, após o AI-5, foi para o exílio –tornou-se correspondente da Folha em Tóquio. Só voltou ao Brasil após a Anistia, em 1979.

    Jorge Gafner/Arquivo pessoal
    O jornalista e escritor Osvaldo Peralva na década de 1960, em sua sala de trabalho no "Correio da Manhã", diário que dirigiu entre 1963 e 1969. Foto: Jorge Gafner/Arquivo pessoal ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    O jornalista e escritor Osvaldo Peralva na década de 1960, em sua sala de trabalho no "Correio da Manhã", diário que dirigiu entre 1963 e 1969.

    Em "O Retrato", Peralva revela como funcionava a estrutura centralizada dos partidos comunistas e os sacrifícios pessoais que ela impunha a seus adeptos.

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    O jornalista narra sua trajetória no PCB –a adesão em 1942, suas decepções em Moscou em 1953 e seu duro enfrentamento com a cúpula do partido, no final dos anos 1950.

    O relato apresenta ainda retratos ásperos dos principais líderes do partido, como Luís Carlos Prestes e Carlos Marighella.

    O livro teve enorme impacto no país na época, como apontou o historiador Éder da Silva Silveira.

    Contudo, o que mais chama a atenção do leitor contemporâneo não é a fotografia de um momento histórico distante, e sim o fato de que tais problemas ainda existem, em graus variados, em outras burocracias –governos, empresas, igrejas.

    ADULADORES

    Como Peralva percebeu, o PCB nunca conseguiu lidar com o que Maquiavel chamava de "a peste dos aduladores". O resultado disso era o endeusamento de seus líderes, de um lado, e a designação de indivíduos incompetentes para a chefia, de outro.

    Um deles era o dirigente russo que ditava as diretrizes do PCB: tinha conhecimentos limitadíssimos sobre o Brasil e formulava ordens absurdas. Em resposta, os comunistas brasileiros o enganavam.

    Esse mecanismo tortuoso de tomada de decisões levava o partido a erros em série. Para evitar a indisciplina dos militantes, estes eram submetidos a sessões públicas de autocrítica e humilhação –tal como ocorre hoje nos programas de TV com aspirantes a chefes de cozinha.

    Se as coisas eram assim, por que o PCB chegou a ser tão importante? Porque as máquinas burocráticas também possuem as suas virtudes. Como dizia Max Weber, a burocracia é um mecanismo de dominação "à prova de fuga": a história mostra que, onde ela triunfou, "não desapareceu mais, a não ser ao fim do colapso total da cultura dominante".

    Mas esse colapso chegou. Seus dirigentes desconfiavam de "todo pensamento que não fosse um lugar-comum".

    Daí a incapacidade de compreender situações inusitadas, o que conduzia o PCB à paralisia nas crises –como ocorreu em 1947, ao ser posto na ilegalidade, e em 1964. Perdeu seu lugar para novas organizações. Não sucede o mesmo com tantas outras burocracias?

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