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    Contra 'elitismo deselegante', Philippe Starck defende 'design democrático'

    SILAS MARTÍ
    DE SÃO PAULO

    01/06/2015 02h00

    Quando deixo o telefone na mesa para gravar nossa conversa, Philippe Starck começa a apontar problemas no meu surrado iPhone 4. "Esse aparelho tem dois defeitos", ataca o designer mais famoso do mundo. "O primeiro é que ele emprega escravos na linha de produção, e o segundo é que ele custa caro demais para ser feito por escravos."

    Starck, 66, foi o menino prodígio francês que aos 19 chamou a atenção em Paris com o projeto de uma casa inflável. Nos anos 1990, ganhou fama global ao criar um estranho –e nada prático– espremedor de limões que lembra uma enorme aranha metálica.

    Em São Paulo, onde abriu uma loja do que chama de "design democrático" –a TOG vende cadeiras de R$ 550 a R$ 2.000–, Starck quis passar a imagem de um cara preocupado com o futuro do planeta e, mesmo com os preços nem tão baixos de sua loja, disposto a entregar design às massas.

    Mas não esconde que está à frente da decoração de um luxuosíssimo hotel desenhado pelo francês Jean Nouvel a ser construído no terreno do antigo hospital Matarazzo, perto do centro paulistano.

    Entre o luxo por encomenda e invenções para as massas, as criações de Starck se tornaram –maus e bons– exemplos do design atual.

    Sempre de jaqueta esportiva, ar despojado e uma fala carregada de frases de efeito, ele assumiu com gosto a posição de ultracelebridade de sua área, despertando o amor de certa classe média com uma queda pela estética e ataques dos que enxergam nele um inventor de frivolidades cafonas, como suas banquetas em forma de anões de jardim.

    Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

    Folha - Você tem se empenhado em criar o que entende por design democrático, mas é também conhecido por seus projetos de luxo. Como se divide entre essas duas esferas?
    Philippe Starck - Se é verdade que faço palácios, também já fiz pensões e albergues. Mas não devemos ser racistas com relação ao luxo. É preciso ampliar os conceitos de caro ou barato para entender também a noção de preço justo. Meu histórico na vida mostra que, apesar de tudo, fui eu quem inventou um design mais democrático.

    Que problemas você observa no design atual? É um equívoco associar o design ao luxo?
    Sou um trabalhador solitário e não tenho respeito algum pelo design. Não respeito objetos. Meu respeito é pelas pessoas que vou tentar servir com o máximo de honestidade, poesia e humor, que são as minhas marcas.
    Mas vejo perversões no design. Muitos designers copiam o sistema da moda e fazem móveis como se fossem roupas, mas isso não funciona nem é desejável porque o ritmo industrial que se aplica às confecções não serve para a produção de mobiliário. Essa não é uma realidade humana, social e econômica.

    Outra perversão é o designer que abandona suas ideias para fazer um design artístico ou criar peças únicas, que custam milhões de dólares. É lamentável que tanto talento, dinheiro e energia sejam dedicados a uma ou duas pessoas. O elitismo não é moderno nem elegante. É uma vulgaridade estrutural.

    Mas você desenhou um iate sob medida para Steve Jobs, o fundador da Apple. Não seria também uma "vulgaridade"?
    Não preciso escolher entre um projeto de luxo e outro barato. O que eu fiz para o Steve não é um barco. É uma obra mística a serviço da elegância minimalista. Ele queria um barco antes de morrer, e eu peguei esse projeto como pretexto para trabalhar sete anos em cima de algo que fosse a expressão da elegância religiosa do minimalismo.

    Esse barco, mesmo medindo 82 metros, é uma obra-prima da inteligência e da engenharia humanas voltadas para o mínimo e para a desmaterialização. Mas é preciso entrar nele para entender isso, e ninguém nunca entrou.

    Outro cliente ilustre foi o presidente francês François Mitterand, para quem você redecorou os aposentos do Palácio do Eliseu, em Paris, há 30 anos.
    Eu acho muito interessante trabalhar para os grandes "players". O presidente Mitterand era um homem extraordinário, de cultura e inteligência acima da média. Além de tudo, era um homem de esquerda, como eu.
    Na época, eu era bem jovem. E ele chamou um visionário, bem punk, para falar a verdade. Queria a coragem de alguém como eu para dizer como deveria ser o mobiliário dos franceses nos dias de hoje. A tristeza é que isso estava muito à frente do nosso tempo e nenhuma indústria francesa se interessou em produzir as peças em massa.

    Mas outros projetos seus ficaram muito populares. Por que acredita que se tornou o designer mais famoso do mundo? Como definiria seu estilo?
    Meu estilo é não ter um estilo. É a liberdade. Sou o homem mais livre do mundo. Faço o que quero, com quem quero e quando quero. Meu trabalho não é o de um esteta. É um trabalho de semiólogo. Eu gosto de fabricar signos.

    Também sempre orientei meus desenhos a partir da política, para dar o melhor ao maior número de pessoas.

    Você enxerga uma dimensão política nos seus desenhos?
    Tudo tem uma dimensão política, não importa a compra que você fizer. A escolha entre um carro e uma bicicleta, por exemplo, tem um impacto político. Sou rebelde em relação a certos preconceitos sociais e econômicos.

    Também é rebelde em relação aos cânones do design, como a ideia de que a forma de um objeto deve seguir sua função.
    Se repetimos que a utilidade, o material e o preço de um objeto importam, também acho que o posicionamento sexual desse objeto é importante, e a opinião política que ele expressa é importante. O sentimento que evoca, seja ele tristeza ou alegria, a visão e o caminho que ele aponta, tudo isso é muito importante.

    É isso que você entende por "funcionalismo sentimental"?
    Quando o funcionalismo da Bauhaus apareceu nos anos 1920, havia a ideia de criar objetos industriais pouco custosos. Graças a mim, percebemos que, além das funções materiais, há outras funções. É importante entender que com cada objeto estamos falando de um outro parâmetro de funcionalidade.
    No auge da moda minimalista, por exemplo, criei objetos de contracultura, como as banquetas na forma de anões de jardim. Eu abri as portas para um funcionalismo sentimental, mais esclarecido. Isso quer dizer que os sentimentos humanos estão presentes nos meus objetos.

    Um de seus objetos mais famosos, o espremedor de limões, até hoje provoca discussões. Qual é seu grande trunfo?
    Esse foi meu primeiro objeto que integrava certo simbolismo ao design. Sua função está equilibrada por uma forma semântica. Faz 25 anos que inventei isso e até hoje estamos aqui falando desse objeto. É surpreendente porque um espremedor de limões não é algo que costuma gerar grandes discussões.

    Seu desenho deu mais espessura e dimensão ao produto. É algo que dá o máximo de importância a algo feito com o mínimo de matéria. Isso é o espremedor de limões.

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