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    Dupla de 'Trabalhar Cansa' filma terror

    LUCAS NEVES
    DE COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM PARIS

    07/06/2015 02h05

    Uma babá precisa cuidar de uma criança de sete anos "diferente", dotada de uma característica fantástica.

    A sinopse enxuta é quase tudo o que os cineastas Juliana Rojas, 33, e Marco Dutra, 35, entregam sobre "As Boas Maneiras", segundo longa-metragem que dirigem a quatro mãos –o primeiro foi o elogiado "Trabalhar Cansa" (2011), que sucedeu a curtas como "Um Ramo" (2007) e "O Lençol Branco" (2004).

    A previsão é de que as filmagens ocorram entre o fim deste ano e o começo de 2016, com a atriz Camila Pitanga no papel da baby-sitter às voltas com um garoto "sui generis". O orçamento gira em torno dos R$ 4 milhões.

    A França, onde o projeto foi contemplado por dois editais, é coprodutora e vai sediar boa parte da pós-produção (mixagem de som, efeitos especiais para mostrar as mutações da criança etc.). A dupla esteve no país recentemente para acertar detalhes da parceria.

    Divulgação
    Imagem do 'storyboard' para o filme 'As Boas Maneiras'
    Imagem do 'storyboard' para o filme 'As Boas Maneiras'

    Da terra de Truffaut vem também o diretor de fotografia Antoine Héberlé, que já trabalhou, entre outros, com o seu conterrâneo François Ozon e com Tsai Ming-liang, além de ter integrado a equipe de "Última Parada 174" (2008), de Bruno Barreto.

    "É interessante ter um diretor de fotografia estrangeiro, alguém com um olhar não habituado à cidade, porque o filme é um pouco alegórico: passa-se em São Paulo, mas não é naturalista", explica Dutra.

    CANNES

    Outra "conexão francesa" dos cineastas é com o Festival de Cannes. O retrospecto da dupla no evento atesta um interesse continuado por parte dos curadores e sugere que as portas estão abertas, para não dizer escancaradas.

    Depois de curtas dos dois serem escalados para a seleção da Cinéfondation (com obras de estudantes de cinema) e para a Semana da Crítica (seção paralela), "Trabalhar Cansa" conseguiu lugar em 2011 na aba da mostra Um Certo Olhar, que só perde em importância para a competição principal.

    Um ano depois, Rojas foi escolhida para uma residência da mesma Cinéfondation. Ali surgiu o primeiro esboço de "As Boas Maneiras". Ainda em 2012, "O Duplo", curta que dirigiu sozinha, ganhou um prêmio na Semana da Crítica.

    "Não é por que o projeto foi desenvolvido na residência que ele vai para o festival", desconversa ela.

    "É sabido que todo grande festival tem uma pauta", acrescenta Dutra. "O trabalho dos programadores não se resume a convidar filmes de que eles gostaram. A curadoria busca estar sintonizada com algo maior [do que as próprias obras]."

    DO ALÉM

    A produção de Rojas e Dutra até aqui mostra afinidade com essa ideia de um cinema que transcende enredos prosaicos para confrontar o "espírito da época".

    Em "Trabalhar Cansa", microeventos em torno da inauguração de uma mercearia estão a serviço de um painel mais complexo das relações de trabalho.

    Já em "Sinfonia da Necrópole", comédia musical de Rojas inédita em circuito, a especulação imobiliária dos centros urbanos se espraia cemitério adentro.

    O comentário social segue como linha mestra nos projetos em desenvolvimento, que miram, por exemplo, os ecos do fim da escravidão ("Todos os Mortos", de Dutra com Caetano Gotardo) e o lugar reservado à mulher nas sociedades patriarcais ("Odessa", de Rojas com Gabriela Amaral).

    ZEITGEIST

    Esse "zeitgeist" que a dupla tenta capturar quase sempre passa pelo filtro do sobrenatural. Ruídos inusitados, visões soturnas, mutações corporais tornam-se sintomas de um mal-estar generalizado.

    Não será diferente em "As Boas Maneiras". "Vamos tratar das relações de poder e dominação entre centro e periferia na metrópole, mas a ênfase será no componente fantástico, no horror", diz Rojas. "Por isso, temos a expectativa de que ele seja mais viável comercialmente [do que os anteriores]."

    O repertório de referências dos cineastas dá as últimas (e melhores?) pistas sobre o que virá. Dutra cita dois longas do também francês Jacques Tourneur (1904-1977): "Sangue de Pantera" (1942), sobre uma mulher que crê levar em si uma maldição secular ligada ao felino, e "O Homem-Leopardo" (1943), que mostra a apuração de agressões atribuídas de início a um animal selvagem.

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